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Frequentadores de bailes da saudade perdem a diversão e amigos para o coronavírus

Pelas redes sociais, idosos reveem momentos de festas passadas, mas também recebem más notícias sobre companheiros de dança

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São Paulo

Sandra Abreu, 63 anos, está com saudade de fazer as unhas e de dançar. Semanalmente, ela vai à manicure como preparação para a maratona de bailes que cobre sua agenda de terça a domingo. Mas, há quase um mês em isolamento, ela não pode mais nem escolher a cor do esmalte, nem ir aos clubes da capital paulista onde se encontra com os mesmos amigos já há 15 anos.

Assim como ela, centenas de frequentadores idosos dos chamados bailes da saudade se viram, de uma hora para outra, sem a principal atividade social de sua rotina. Com todos os serviços não essenciais suspensos no estado, as festas organizadas por locais como Clube Piratininga e Clube Vila Maria foram canceladas, sem previsão de retorno.

“As melhores partes são a dança, ver os amigos e tomar uma cervejinha”, enumera Sandra, que acabou proibida pelo filho, Gustavo Abreu, 32, de ir à edição do dia 15 de março do baile do Clube Atlético Ypiranga.

“Ele me buscou para almoçar e perguntou se eu sabia o que estava acontecendo. Falou ‘hoje você não vai’. Quando um amigo dele chegou e escutei os dois conversando, comecei a ver melhor a gravidade da situação, porque acho que eu não tinha entendido ainda”, lembra.

Sandra conta que, alguns dias antes, já havia sinais de que algo diferente estava em curso, mas que não imaginava o que estava por vir. Segundo ela, o baile de quinta-feira (12) no Piratininga parecia menos lotado que o normal. “Um dos organizadores disse que fez estrogonofe para 400 pessoas, e só tinha umas 200. Estava bem vazio.”

De casa, por ordens do filho, ela acompanhou no dia 15 as transmissões ao vivo do baile no Facebook, mandando mensagens para as amigas. Alguns dias depois, recebeu atualizações do grupo de amigos. “Duas pessoas que estavam lá nesse baile estão na UTI”, lamenta.

“É uma sensação horrível. Estou com medo de ir na rua, fico quieta em casa. Moro sozinha e já às seis da manhã eu ligo a TV porque quero ficar a par de tudo”, diz. Pelas suas contas, sete conhecidos dos bailes morreram desde o início da epidemia.

Um deles, Edson Biancardi, que morreu no dia 29, era integrante da Banda Luzes, especializada na condução de bailes para a terceira idade. “Teve também o Paulão, que ultimamente eu estava achando meio abatido, ele sempre me chamava de ‘moça linda’. Morreu o João, caminhoneiro, que frequenta o baile às terças, e um outro senhor do Pira, vi a foto dele aqui e não acreditei”, enumera Sandra.

Por causa de outros compromissos agendados com antecedência, como o aniversário da chefe, Isolda Felipe, 66, não conseguiu ir aos bailes em março.

Fã do Clube Atlético Ypiranga, ela costumava frequentar as festas ao menos duas vezes por semana. “São horas que não sinto passar, é realmente maravilhoso. Conheci meu marido no baile, e estamos casados há dez anos.”

Isolda ficou sabendo das mortes dos colegas por postagens no Facebook. Além das redes sociais, ela usa o WhatsApp para se comunicar com as amigas, mas diz que tem tentado se manter ocupada em casa.

Administra a distância a agenda da psicóloga para quem trabalha, que continua atendendo, e divide com o marido as tarefas do dia a dia.

“Hoje envernizamos uns bancos e umas portas. Já pensei em dançarmos em casa, tenho um CD de aula de dança e gosto de aprimorar os passos”, planeja. “Tenho a certeza de que não vou pegar o vírus na rua, porque me cubro de cuidados. Mas acho que ainda vamos ficar um tempinho sem os bailes, imagino que três meses ou mais.”

“Tudo isso é muito ruim, pois já há 20 anos que fazemos o baile e nunca ficamos tanto tempo assim longe”, avalia Nice Vilaça, que toca a Apolônio Bailes ao lado do pai, Apolônio Vilaça, 72. A empresa é responsável por festas no Clube Vila Maria nos sábados à tarde, e nas terças-feiras à noite no Clube Athlético Ypiranga. “Sinto falta até das reclamações”, brinca.

Na página oficial do Facebook, frequentadores postam vídeos e fotos de edições passadas dos bailes, sempre respondidas com comentários de saudades de outros dançarinos. “O baile faz uma higienização mental gostosa, e você ainda conhece pessoas novas”, resume Odair Milani, 66, que ia às festas três vezes por semana.

“A perda abala muito, pode ser de qualquer ser humano. A gente fica muito triste com essas notícias, principalmente nós da terceira idade”, diz. “Espero que o baile não recomece logo, só depois que tiver um remédio ou uma vacina. Adoro baile, amo dançar, mas vou me resguardar.”

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