Descrição de chapéu Coronavírus

Grupo contratado pelo Ministério da Saúde foi investigado por lesar consumidores

Empresa também é suspeita de ter participado de ataques a candidatos; companhia nega irregularidades e diz que respondeu a Anatel

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Brasília

O Ministério da Saúde contratou para disparar telefonemas aos brasileiros durante a pandemia do novo coronavírus empresa integrante de um grupo já investigado por, supostamente, promover ataques em massa a candidatos em eleições e que foi punido pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) por fraudes que levaram a cobranças indevidas de seus clientes.

A Talktelecom Comércio de Equipamentos de Informática e Serviços Empresariais receberá R$ 46,8 milhões para fazer 120 milhões de ligações automatizadas, para fazer a busca ativa de doentes.

A contratação foi feita com dispensa de licitação, ante a necessidade de providências urgentes contra a Covid-19.

Estação de trabalho de call center; empresa contratada pelo Ministério da Saúde para ligar para brasileiros já foi investigada
Estação de trabalho de call center; empresa contratada pelo Ministério da Saúde para ligar para brasileiros já foi investigada - Chinnarach/Adobe Stock

Segundo a pasta, o cidadão vai interagir, pelo teclado, com uma gravação que lhe perguntará sobre eventuais sintomas da enfermidade.

Os casos considerados suspeitos serão monitorados pela empresa. Em caso de piora, o paciente será orientado a procurar atendimento clínico.

A Talktelecom integra o mesmo conglomerado empresarial suspeito de espalhar por meio de telemarketing, nas eleições de 2014, mensagens pejorativas contra o então candidato ao governo do Rio de Janeiro Lindbergh Farias (PT).

O petista ajuizou uma ação de investigação eleitoral pedindo a cassação de mandatos e a inelegibilidade de dois de seus oponentes no pleito, os ex-governadores Luiz Fernando Pezão (MDB) e Anthony Garotinho (sem partido, ex-PR), os quais acusava de estarem por trás de uma campanha difamatória.

Segundo o processo, que tramitou no TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Rio de Janeiro, entre agosto e outubro daquele ano os eleitores fluminenses receberam milhares de telefonemas com áudios que simulavam pesquisas eleitorais, com perguntas depreciativas ao petista e também ao então candidato ao Palácio das Laranjeiras e atual prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB).

As ligações foram comprovadas por gravações e denúncias feitas por eleitores, além de notícias da imprensa.

A partir dos números que as originaram, identificou-se que algumas linhas pertenciam à Falkland Tecnologia em Telecomunicações —do mesmo grupo econômico da Talktelecom e que, ao longo dos anos, tem em comum com ela e outras empresas do conglomerado a presença dos administradores Alexandre Dias de Souza e Jorge Venício Souza Azevedo.

O processo se arrastou até fevereiro do ano passado e teve desfecho inconclusivo porque o TRE entendeu que, embora seja incontroverso que tenha havido uma "guerra telemática" para depreciar candidaturas, a investigação não conseguiu demonstrar quem a contratou e pagou por ela.

Em suas defesas, Souza e Venício alegaram que as empresas das quais são administradores não fazem telemarketing diretamente, mas apenas disponibilizam e fornecem equipamentos e linhas telefônicas usadas por terceiros.

Os dados buscados na investigação estariam, portanto, de posse de seus clientes.

Embora sejam independentes, no mercado de telefonia e de telemarketing, a Talktelecom e a Falkland são tratadas como sendo a mesma empresa.

Segundo técnicos da fiscalização da Anatel, isso se deve ao fato de que, na maior parte dos casos, a Talktelecom atua com linhas cujo código pertence à Falkland. Ou seja, há parceira comercial.

Na agência, há uma lista de processos envolvendo a Falkland por simulação de tráfego de chamadas com o objetivo de auferir ganhos indevidos dos seus clientes.

Isso acabou motivando uma ampla fiscalização na empresa. A Folha teve acesso ao processo.

Agentes da agência relatam a comprovação de um esquema fraudulento que simulava ligações de longa distância usando as redes de outras operadoras (particularmente Vivo e TIM) com intuito de gerar uma cobrança indevida pela interconexão com essas redes.

A interconexão é uma obrigação de todas as empresas do ramo e a agência permite uma cobrança quando esse serviço, de fato, é prestado.

Somente com a TIM, a empresa simulou interconexões da ordem de R$ 30 milhões, o que permitiria, descontando seus custos operacionais, ganho líquido de R$ 1,5 milhão.

Este caso, isoladamente, gerou um processo e houve um acordo em que a TIM pagou somente o que era devido.

Na Anatel, há infrações dessa natureza envolvendo a Vivo, provedores de internet e a seguradora Porto Seguro.

Neste último caso, as supostas irregularidades praticadas pela Falkland foram reclamadas à agência em maio do ano passado.

A história de infrações do grupo, no entanto, é mais antiga. Remonta a meados dos anos 2000, quando as emissoras de TV deram início a uma onda de sorteios de prêmios e quizzes via telefone durante a programação.

Uma ação movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, ainda em curso, tenta ressarcir consumidores que, até dois anos atrás, movidos pela promessa de um prêmio milionário, gastaram muito tempo ao telefone porque eram direcionados a centrais de atendimento onde tinham de responder cada vez mais perguntas, sem que entrassem ao vivo durante os programas de TV. Uma chamada chegava a durar mais de meia hora, ainda segundo o MP.

Em vez de pagarem cerca de R$ 13 por uma ligação com essa duração via operadoras tradicionais, como Oi ou Vivo, pagavam mais de R$ 130 por empresas do grupo da Talktelecom.

Procurada pela Folha, a Talktelecom afirmou que "a ação [no TRE] já transitou em julgado e foi considerada totalmente improcedente".

"À época, esta operadora de telefonia teve suas linhas contratadas e utilizadas por centrais de call center, como rotineiramente ocorre com qualquer operadora de telefonia do Brasil, sem interferência ou conhecimento sobre o conteúdo transmitido", disse em nota.

A empresa informou ter sido contratada pelo Ministério da Saúde por meio de processo de compra pública.

A pasta afirmou que houve dispensa de licitação nesta contratação por causa de uma lei vigente desde fevereiro deste ano que instituiu o estado de emergência de saúde pública no país.

A assessoria de imprensa do grupo integrado pela Talktelecom e a Falkland afirmou que as duas são empresas distintas, embora pertençam ao mesmo conglomerado.

"No que diz respeito aos fatos que envolvem a Falkland, voltamos a reforçar a independência na operação das duas empresas, que inclusive prestam serviços diferentes."

"A Falkland não tem conhecimento ou interferência sobre o conteúdo das chamadas realizadas por seus clientes ou sobre a realização de jogos televisivos [quiz ou sorteios de prêmios]", disse a empresa por email.

O grupo afirmou ainda que, em 15 anos de atuação, a Anatel abriu procedimentos de apuração de descumprimento de obrigações (Pado) sobre a Falkland, sendo que quatro deles estão em curso e foram contestados pela operadora. "Todos os processos foram devidamente contestados", disse a empresa.

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