Descrição de chapéu Coronavírus Rio de Janeiro

Hospitais do Rio oscilam entre emergência caótica e leitos ainda vazios

Em algumas unidades, pacientes com sintomas de Covid-19 não foram isolados; em outras, espaço físico foi dividido

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Rio de Janeiro

Enquanto se prepara para o pico de casos do novo coronavírus, o Rio de Janeiro oscila entre cenários contrastantes. De um lado, uma unidade de referência com dificuldade para isolar pacientes. Do outro, um hospital totalmente voltado para a doença onde ainda sobram leitos vazios.

Alguns hospitais também estão dividindo seus espaços físicos em dois, para tentar suprir a demanda tanto da Covid-19 quanto das enfermidades de que já tratavam. Isso tem sido feito com a desocupação de alas inteiras e até com a construção de novos prédios.

O Rio de Janeiro é o segundo estado mais afetado pelo novo coronavírus, ficando atrás apenas de São Paulo. O Rio tinha, até esta quinta-feira (2), 992 casos confirmados e 41 mortes pela doença.

Idoso com suspeita de coronavírus busca atendimento nessa manhã de sexta feira (03) no Hospital de Bonsucesso, no Rio
Idoso com suspeita de coronavírus busca atendimento nessa manhã de sexta feira (03) no Hospital de Bonsucesso, no Rio - Tércio Teixeira/Folhapress

Por enquanto, a situação ainda está controlada na maior parte dos hospitais, mas deve mudar com o avanço da doença.

O médico Raphael Câmara, conselheiro do Cremerj e do CFM (Conselho Federal de Medicina), tem fiscalizado a preparação das unidades de referência desde o mês passado.

“Pela demanda [ainda baixa], consegue-se fazer um fluxo de atendimento tranquilo, mas daqui a pouco tenho certeza que esse fluxo vai embora”, diz.

Uma das unidades que já têm falhado no isolamento de pacientes é o Hospital Federal de Bonsucesso, que se adequa para receber pacientes graves de Covid-19 após ter sido anunciado como referência pelo Ministério da Saúde.

Planilhas da emergência do hospital mostram que, nos últimos dias, doentes com sintomas do vírus dividiram a mesma sala com pessoas assintomáticas. Foi o caso de uma mulher grávida, admitida na emergência na terça (31) em estado grave e apontada como possível portadora da doença.

Agora isolada na sala verde, a gestante teve seu quadro agravado e chegou a ser intubada na sala vermelha, dedicada a pacientes graves. Nesta semana, o número de doentes que permaneceram no cômodo, sem Covid-19, variou diariamente entre dois e cinco.

"Um hospital que está se preparando para ser referência em hipótese nenhuma poderia ter ali uma mistura de Covid e não-Covid", afirma o médico Julio Noronha, diretor do corpo clínico do hospital.

O médico diz que não foi desenvolvido um fluxo de trabalho para lidar com a doença e evitar a contaminação. Um exemplo de protocolo a ser adotado seria o isolamento de pacientes com sintomas da doença antes mesmo da entrada na emergência.

"Em Wuhan [foco da pandemia na China], o hospital foi todo contaminado pela ausência desse fluxo", lembra.

Um dos prédios já foi quase que totalmente esvaziado para disponibilizar leitos para os casos graves de coronavírus. Pacientes transplantados renais ainda estão no edifício, mas serão transferidos para outras unidades de saúde. No total, serão liberados pelo menos 170 leitos, inclusive de terapia intensiva, para tratar doentes da Covid.

O atendimento aos doentes esbarra, no entanto, na insuficiência de profissionais de saúde, respiradores e EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) para dar conta de todos os leitos.

Em ofício ao Ministério da Saúde, a diretora do hospital, Cristiane Gomes, informa que será preciso deslocar 210 médicos e 235 enfermeiros para abrir 220 leitos na unidade, número já aventado pela pasta. Ela também afirma que é necessário um respirador para cada leito, mais 70 na reserva.

O MPF (Ministério Público Federal) e a DPU (Defensoria Pública da União) ingressaram com ação civil pública para pedir que a União, o estado e o município resolvam o problema da insuficiência de profissionais e insumos nas unidades federais​.

A Procuradoria requer, especificamente, a contratação de pessoal e insumos básicos para permitir o funcionamento dos leitos dedicados a pacientes Covid no hospital de Bonsucesso.

Nesta quarta (1º), diante da ausência de respostas do Ministério da Saúde à Superintendência no Rio de Janeiro, a Justiça Federal intimou a consultoria jurídica da pasta a se manifestar em até 48 horas sobre as questões levantadas.

As dificuldades de isolamento e a falta de insumos são problemas também enfrentados em outras unidades de saúde, como nas UPAs (Unidades de Pronto Atendimento).

Na UPA da Tijuca, zona norte do Rio, um tubo envolvido em peças de algodão foi utilizado como respirador pelo taxista Gladston Neto, 36. Ele foi internado na quarta com dificuldade respiratória, um dos sintomas mais graves do vírus.

Em um vídeo, Gladston mostra a gambiarra, também fornecida a um idoso no leito ao lado do seu. "Olha que coisa ridícula. Entre isso aqui e nada, melhor nada", diz.

A alguns quilômetros dali, no Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, em Acari (zona norte), o cenário é um tanto diferente. A unidade, por enquanto, é uma das que mais se assemelham ao que seria um QG do coronavírus na capital fluminense. O local foi esvaziado no último dia 22 para receber apenas pessoas infectadas.

Ali, toda a rotina mudou. Os médicos trocaram os jalecos pelo pijama cirúrgico e os funcionários passaram a voltar para casa só depois de tomar banho.

Os profissionais também estão sendo incentivados a aumentar a carga horária e têm acompanhado os pacientes mais atentamente.

“Temos que ficar verificando parâmetros vitais o tempo todo, para se necessário fazer uma intervenção muito rápida e intubar”, conta o clínico Alexandre Telles, 28, que trabalha na unidade há cinco anos.

Por enquanto, 58 dos 128 leitos disponíveis no hospital estão ocupados, número que tem crescido rapidamente.

Apesar de não haver superlotação, segundo Telles há falhas como plantonistas sem treinamento e poucos recursos humanos.

“Anunciaram contratação, mas sem incentivo. Os profissionais ficam apreensivos porque o risco é alto e a prefeitura tem um histórico de atrasar salários”, diz ele, que também é presidente do sindicato de médicos (Sindmed-RJ).

Outra unidade que ainda está se preparando para o pico de casos de coronavírus é o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, ligado à UFRJ.

Hoje há apenas cinco pacientes internados por Covid-19 numa sala provisória. Por enquanto, o hospital está recebendo somente doentes que já faziam acompanhamento no local.

A leva maior deve começar a chegar na semana que vem, quando 60 leitos ficarão prontos e o hospital será aberto para os pacientes que estão na fila do estado.

A unidade terá duas estruturas e equipes: uma para casos de coronavírus, com entrada e saída próprias, e outra para as demais doenças. Provavelmente, os profissionais mais novos, fora do grupo de risco, atenderão os pacientes com Covid.

“Vão ser quase dois hospitais”, diz o infectologista Alberto Chebabo, chefe da divisão médica do Fundão.

Ele calcula que precisará de mais 300 funcionários para dar conta da demanda, a maioria de enfermagem. Ao menos 15 estão afastados após a confirmação de que foram infectados pelo vírus (segundo Chebabo, fora do hospital).

OUTRO LADO

Em nota, o Hospital Federal de Bonsucesso afirmou que adota todos os protocolos e fluxos de atendimentos do Ministério da Saúde e da Anvisa para possíveis casos de Covid-19, além do treinamento diário das equipes.

A unidade também diz que todos os pacientes que entram na emergência com sintomas do coronavírus são recebidos por funcionários com máscaras e imediatamente transferidos para leitos de isolamento.

O hospital afirma, ainda, que já solicitou ao Ministério da Saúde a contratação de novos profissionais, assim como a compra de respiradores para os leitos que serão abertos.

O Hospital Ronaldo Gazolla também afirma que seus profissionais receberam treinamento intensivo para conter a disseminação do vírus.

A unidade diz que a RioSaúde, gestora do hospital, abriu processo seletivo emergencial para contratar cerca de mil profissionais para reforçar a equipe, conforme novos leitos forem abertos.

Colaborou Catia Seabra

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