Indiferente ao vírus, a vida segue devagar em zona de prostituição do Rio

Movimento caiu na Vila Mimosa, onde mulheres esperam a ajuda do governo ou de moradores

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Rio de Janeiro

Estamos no ano 2020 depois de Cristo. Todo o Brasil foi colocado em quarentena...

Todo? Não! Uma vila povoada por irredutíveis cariocas resiste à medida e segue fazendo programa, bebendo cerveja e assando churrasquinho na rua. Estamos falando da Vila Mimosa, reduto de prostituição do Rio de Janeiro que se estende por duas ou três ruas perto da Praça da Bandeira, próxima ao centro da cidade.

Na rua Sotero dos Reis, no sábado passado (28), uma dúzia de bares seguia aberto, indiferente aos terrores do novo coronavírus. A frequência diminuiu muito, contam os frequentadores e as prostitutas que atendem e dormem no local. Mas a vida segue.

em um bar, ao redor de uma mesa de sinuca, um homem e uma mulher jogam
Frequentadores em bar na Vila Mimosa, no centro do Rio - Tércio Teixeira/Folhapress

“Fazia três ou quatro programas por noite”, diz Regina, de 48 anos. “Hoje (sábado) e ontem (sexta) não fiz nenhum. No fim de semana passado, apenas um. Estou só aguardando esses R$ 600 que o governo disse que vai dar.”

Regina cobra o mesmo que todas: R$ 50 por meia hora de sexo e mais R$ 10 para pagar o quarto. Ela voltou recentemente à prostituição, após três décadas afastada, período em que casou, teve filhos e fez um curso de cuidadora de idosos. “Mas a patroa que eu cuidava morreu há quatro anos e não arrumei mais serviço.”

Na verdade, a Vila Mimosa sofre há mais de três meses, quando os bombeiros interditaram 80% das casas devido a irregularidades de documentação e risco de pegar fogo. A operação foi comandada por uma CPI de prevenção a incêndios da Assembleia Legislativa do Rio, em 11 de dezembro.

Instalada em 1996, a Mimosa recebe 4.500 mulheres (não ao mesmo tempo – muitas vêm, vão e voltam semanas depois), segundo a Associação de Moradores do Condomínio e Amigos da Vila. Além dos bares e boates que se espalham pela estreita rua Sotero dos Reis, há galerias invisíveis ao primeiro olhar, que escondem casas atrás de becos, cujas entradas estão repletas de lixo, água empoçada nos paralelepípedos e um ou outro bêbado valente.

Jenifer, 26, relata a mesma queda de clientes. E as medidas que toma: “A gente pede para todos lavarem as mãos antes de entrar no quarto. Mas tem uns que não lavam”, conta.

Fabiana, 35, viúva e mãe de um casal com 18 e 20 anos, frequenta o local há cinco anos. Não parece temer o vírus, pois se aproxima, toca e esfrega o corpo em vários homens enquanto caminha pela rua, com um copo de cerveja na mão. “Os bares não são bares. São mercadinhos, então pode”, ela explica.

De fato, os botecos com mesas de lata nas calçadas vendem biscoitos e alguns insumos domésticos, expostos em prateleiras. Susana (“sempre quis ser a Susana Vieira”) é outra que voltou à prostituição após um período de casamento. Vinda do interior paulista, ela trabalhou na Vila Mimosa entre 2002 e 2008. Uma amiga da mesma cidade já tinha feito esse trajeto e disse a ela: “Susana, você é bonita. E lá tem muito homem”.

“Com o dinheiro que ganhei aqui”, ela conta, “consegui construir do zero uma casa para mim, outra para minha mãe e uma quitinete para minha tia, além de abrir um salão de beleza, tudo na minha cidade”. Viveu dez anos de casada em sua cidade natal e, quando acabou, tentou seguir a vida com o salão. “Mas às vezes saía com R$ 10 no bolso no fim do dia. Não dava.”

Há três meses, Susana pegou mais uma vez o ônibus com destino à Vila Mimosa, logo depois do Natal e antes do Ano Novo.Comprou uma cadeira, um lavatório e um espelho. De dia, faz cabelo (R$ 100 com lavagem, enxague, corte e hidratação) e pé e mão (R$ 35) para as moradoras da vila. De noite, se junta a elas para cobrar os R$ 50 mais R$ 10 por meia hora. “Menos quando o cara pede desconto. Aí, cobro R$ 70.”

Ela concorda em tirar fotos para esta reportagem e mostra o caminho para os quartos, que ficam em cima do barzinho equipado com uma mesa de sinuca e jukebox. P​ega seu lençol em um armário de metal com cadeado. “Não gosto de usar a roupa de cama que todo mundo usa”, explica. A escada é um caracol de metal bem estreito e dificílimo de escalar sem o uso das duas mãos. Em cima, há um banheiro e oito quartos. Quartos? Não! São cabines, com camas de alvenaria menores do que as espumas carcomidas e sem forro usadas como colchões, que, por sua vez, são também menores do que um colchão de solteiro padrão. A portinha sequer abre direito, pois bate na cama. Um banco no canto faz as vezes de lixo, com papéis higiênicos sujos e camisinhas usadas largadas em cima e embaixo dele. Algumas cabines têm luz branca, outras, vermelhas e ainda azuis.

As mulheres costumam dormir gratuitamente nessas cabines, mas Susana, não. Ela alugou um dormitório, sem banheiro, mas relativamente grande, agora dividido entre seu salão de beleza e o quarto com uma luxuosa cama de casal. “Quando voltei para cá, desciam lágrimas nos meus olhos”, ela conta. Olhos verdes. “Mas então o dinheiro começou a entrar e fiquei forte. Agora é esperar que o grosso da clientela volte. Amanhã a associação dos moradores vai me dar uma cesta básica. Mas não tenho lugar para cozinhar”, suspira, resignada.​

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