Descrição de chapéu Obituário João Baptista Monteiro da Silva Filho (1950 - 2020)

Mortes: Pai amoroso, ensinou aos filhos lições de honestidade

João Baptista Monteiro da Silva Filho morreu de Covid-19

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São Paulo

Alguns anos atrás, João Baptista Monteiro da Silva Filho acompanhou a filha ao Jockey Club de São Paulo. Era dia de trabalho, e a fotógrafa tinha que registrar a linha de chegada. “Você tirou foto de todo mundo, menos de mim”, ele disse, ao final do páreo. Riram juntos, como faziam com frequência, antes de voltarem para casa.

Hoje, Marilia Lemos Monteiro da Silva, 37, pensa que poderia ter feito mais registros do pai, como aqueles tantos que ela produziu na carreira, de tantos assuntos, e dos quais João Baptista sempre se orgulhava. “Quando alguém me publicava, ele ficava um pavão, todo besta”, lembra, ao contar como era o pai no dia a dia.

João Baptista morreu no último sábado (28), aos 69 anos, na casa onde morava, no bairro paulistano de Pinheiros. Fazia pouco menos de uma semana que vinha enfrentando sintomas de uma gripe comum, como febre e espirros. Na sexta (27) à noite, veio a dificuldade de respirar e, no dia seguinte, enquanto esperava, ao lado da namorada, a chegada de uma ambulância, sofreu um infarto.

João Baptista Monteiro da Silva Filho (1950-2020)
João Baptista Monteiro da Silva Filho (1950-2020) - Marilia Lemos

A confirmação de que havia contraído a Covid-19 chegou apenas dois dias após sua morte. Os filhos, no entanto, que já suspeitavam do diagnóstico, aguardaram por longas horas os trâmites fúnebres do lado de fora da residência, no jardim, sem poder se despedir propriamente do pai.

“Foi sepultamento direto, caixão lacrado. Não pudemos vesti-lo nem fazer qualquer preparação”, lamenta o filho Roberto Lemos Monteiro da Silva, 36. “As informações oficiais têm mudado rápido. Primeiro, disseram que poderíamos fazer velório, além de deixar o visor aberto. Depois, avisaram que não ia poder fazer nada disso”.

No enterro estavam os três filhos, a irmã, o cunhado e o sobrinho de João Baptista, além de dois amigos de infância. As outras pessoas não puderam comparecer, por orientação da família, que já alertava para a possibilidade de estarem lidando com um caso de morte por coronavírus.

“A gente não pode se consolar, se abraçar. Não queremos que outras pessoas passem por isso. Estamos com o celular do meu pai, e tem muitas mensagens de amigos tristes por não terem conseguido velar nem participar do enterro”, diz Roberto.

No grupo de mensagens da rua em que João Baptista morava, Marilia tem recebido frases de acolhimento, depois de avisar sobre o diagnóstico positivo. “Estão todos muito conscientes e sendo extremamente carinhosos, mandando mensagens de força”.

Querido no bairro e por onde passasse, o administrador de empresas cuidou por boa parte da vida de arrendamentos de cana em sítios nas cidades de Jaboticabal e Ribeirão Preto. Casou-se em 1975 com Beatriz Lemos, e logo tiveram o primogênito, que recebeu o mesmo nome do pai e do avô, e hoje mora no interior com a mulher e dois filhos.

“Ele cursou três anos e meio para ser advogado, e parou porque meu irmão já tinha nascido. Ele tinha bebê em casa, estava trabalhando e estudando, e não conseguiu terminar”, conta Roberto. “Quando entrei na faculdade de Direito, lembro que a gente ficava conversando depois do jantar até umas 22h, discutindo o direito, a política, ficava vendo novas ideias. Foi um momento legal, em que a gente se aproximou bastante”.

Os filhos têm boas memórias da infância e adolescência. “A gente sempre viajava juntos para o interior. Minha mãe cuidava dos três filhos, e ele trabalhava. Foi um pai amoroso e participativo”, diz Roberto. “Sou a única menina, então por boa parte da vida ele foi meu herói”, completa Marilia.

“Ele tinha um grau de honestidade muito alto. Era aquele tipo de cara que no primeiro dia já quer registrar o funcionário novo. Sempre nos incentivou a pagar os impostos corretamente. Dizia que o problema não é o pagamento do imposto, mas sim deixar de pagá-lo”.

João Baptista ficou viúvo em 2010, quando Beatriz morreu de câncer. No mesmo ano, já havia se submetido a uma cirurgia cardíaca para a implantação de pontes de safena. “Com a morte dela, ele não ficou nada bem, ficou deprimido”, lembram os filhos.

Quando descobriu, em 2001, ser diabético, mudou totalmente os hábitos. Roberto conta que o pai começou a comer salada e que caminhava diariamente por uma hora. “Parou de comer doces, parou de beber, até mesmo o champanhe de Ano Novo. Acho que cogitou estar com coronavírus, porque mandou mensagem falando que estava com saudade.”

Havia um ano que o administrador morava sozinho. Na última terça-feira (24), quando a gripe o deixou cansado e febril, passou a contar com a ajuda da namorada, que ficou presente até o último momento. Tanto ela quanto Marilia e Roberto estão, hoje, em quarentena pelo coronavírus.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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