Número de medidas protetivas contra violência doméstica cai na quarentena

Dado contrasta com alta de mortes de mulheres e de ligações ao 190 e sugere dificuldade de acesso à Justiça

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São Paulo

Enquanto assassinatos de mulheres e chamados ao 190 por violência doméstica crescem, a concessão de medidas protetivas de urgência registra queda durante o período de quarentena para conter o coronavírus.

O dado foi levantado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que elaborou estudo para analisar o impacto do isolamento social na vida de mulheres em situação de violência.

Foram coletadas informações dos estados de São Paulo, Acre, Mato Grosso, Pará, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul.

Cordão com mulheres de papel na Sala da Casa da Mulher Brasileira, na região central de SP, voltada a vítimas de violência=
Sala da Casa da Mulher Brasileira, na região central de SP, voltada a vítimas de violência= - Zanone Fraissat - 11.nov.2019/Folhapress

Entre o dia 1º e 12 de abril deste ano, o número de medidas protetivas de urgência concedidas caiu 67,7% no Acre, 32,9% no Pará e 37,9% em São Paulo em relação ao mesmo período de 2019 —os demais estados não enviaram a informação.

Previstas na Lei Maria da Penha, as medidas protetivas de urgência são determinadas pelo juiz a pedido do Ministério Público ou da mulher.

Elas incluem determinações para o agressor como manutenção de uma distância mínima da vítima, afastamento do lar e suspensão de porte de arma.

A redução no número de medidas soma-se a outras informações levantadas pelo Fórum que sugerem uma maior dificuldade de as mulheres buscarem proteção no período de isolamento, como foi verificado em outros países, diz Samira Bueno, diretora-executiva da entidade.

Comparando-se março de 2019 com março de 2020, quando alguns estados já tinham decretado quarentena, houve redução nos registros de violência sexual e de lesão corporal em decorrência de violência doméstica na maioria dos estados que responderam ao levantamento.

A exceção foi o Rio Grande do Norte, onde o isolamento social amplo foi decretado em 1º de abril.

A redução de registros é incoerente com o aumento de assassinatos de mulheres e com o aumento de chamados ao 190 por violência doméstica.

Como a Folha mostrou, o número de mulheres assassinadas dentro de casa quase dobrou no estado de São Paulo no período de quarentena em comparação com o mesmo período de 2019.

O estudo do Fórum mostra que no Acre e no Rio Grande do Norte também aumentou o número de feminicídios e homicídios femininos.

A disparidade entre esses registros e o de outras formas de violência indica, diz Bueno, que não há uma diminuição real de ocorrências, mas sim uma maior dificuldade de acesso às autoridades.

O acesso à polícia pelo 190, por exemplo, é facilitado pelo fato de que as ligações não precisam necessariamente ser feitas pela mulher, podem ser realizadas também por vizinhos ou outras testemunhas.

Ela ressalta, no entanto, que é necessário um acompanhamento das consequências dos chamados à Polícia Militar. “O caso vai para a delegacia ou é feita uma mediação no local? Transforma-se em inquérito?”, indaga.

Outra dificuldade é que muitos estados ainda registram chamado a 190 por violência doméstica sob a rubrica “desinteligência”, que inclui outros conflitos. São Paulo, uma exceção, passou a computar esse dado separadamente em março do ano passado.

Além dos registros formais, o Fórum também coletou, em parceria com a empresa Decode Pulse, dados de redes sociais que indicam uma maior vulnerabilidade da mulher.

Foram analisada 52.315 menções no Twitter de fevereiro a abril. Os relatos de brigas de casal com indícios de violência doméstica aumentaram 431% no período. Mais da metade deles foram publicados em abril.

Diante dos dados, e com base também em experiências de outros países, o Fórum listou uma série de recomendações para o combate à violência contra a mulher no período de isolamento social.

Entre elas, está diversificar os canais para denúncias de mulheres, para que possam ser feitas não só por telefone e internet, mas também em serviços essenciais como farmácias e supermercados; criar campanhas de divulgação de serviços de proteção à mulher, encorajando também a sociedade a denunciar o problema; fazer campanhas em condomínios residenciais, para que vizinhos possam ajudar; e garantir resposta rápida das autoridades para a proteção da mulher, seja para retirar o agressor de casa, seja para colocá-la em um lugar seguro, como um quarto de hotel, durante o período de quarentena, como Espanha, França e Itália já anunciaram.

No Brasil, as iniciativas por ora em vigor incluem um aplicativo do governo federal para denúncia online, a disponibilização, pelos estados de São Paulo, Espírito Santo e Rio de Janeiro, de boletim de ocorrência eletrônico para vítimas de violência doméstica e o projeto Carta de Mulheres, do Tribunal de Justiça de São Paulo. Nessa ação, as vítimas acessam um formulário online e uma equipe especializada responderá com as orientações.

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