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Paulistanos trocam capital por quarentena no campo e na praia

Aumento do fluxo preocupa cidades de destino; após festas em chácaras, Monte Verde fecha acesso a veranistas

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Rio de Janeiro

A quarentena ainda não havia se instaurado em São Paulo quando Danielle Janiake foi a uma padaria ao lado de sua casa. Morando a três quadras do hospital Albert Einstein, no bairro do Morumbi, ela dividia, como sempre, o local com médicos, funcionários e pacientes do hospital. Na saída, pegou um Uber que trazia mais gente do hospital para a padaria.

Então se tocou que o carro, o balcão e o dinheiro que manipulou tinham grandes chances de ter tido contato com gente contaminada. No dia seguinte, ela e suas três filhas, de 20, 19 e 16 anos, estavam a caminho de sua casa no interior de São Paulo.

No final desta semana, fará um mês que a família está em Valinhos, uma cidade de 120 mil habitantes nos arredores de Campinas. A empresa de palestras de Danielle já tinha tido cancelados todos os eventos para o mês. “As meninas tinham começado a ter aulas via internet. Não havia por que ficar em São Paulo”, diz ela.

Danielle Janiake, sua filha Luana e sua irmã Etienne fazem caminhada em região de chácaras em Valinhos (SP)
Danielle Janiake, sua filha Luana e sua irmã Etienne fazem caminhada em região de chácaras em Valinhos (SP) - Arquivo pessoal

“Aqui não tem muita gente nas ruas. Saio para andar numa área de cheia de chácaras e fazendas e fico uma hora sem ver ninguém. Ouvimos sobre dois casos na cidade, mas que foram curados.”

Além das quatro, o namorado da filha mais velha viajou junto. “A mãe dele é médica do Einstein, então ela achou melhor mandá-lo com a gente, para prevenir, né?”. Tempos depois, chegou a irmã de Danielle, Etienne, com quem ela divide uma garrafa de vinho nas noites do interior.

É claro que o conforto não é o mesmo da casa em São Paulo, na qual cada moça tem seu quarto, mas a mãe obriga a todas a uma rotina de exercícios e o horário do despertador não mudou: continua apitando às 7h da manhã.

“Achei que ia me estressar”, diz Luana, de 16. “Mas estou achando bem tranquilo. E todo dia meu pai liga e me obriga a fazer exercícios com ele.”

Essa falta de conforto também foi citada por Fabiana Andrade, que assim como a família Janiake, levou os três filhos (uma de 18 e um casal de gêmeos de 14), a cachorra e também o marido para o apartamento de praia. No caso, em frente ao mar, na Riviera de São Lourenço.

O lugar tem a metade do tamanho da que vivem em São Paulo. “Mas isso foi uma das razões para que viéssemos. Fica mais fácil cuidar da casa. Já era prática virmos todo fim de semana. Temos roupas e tudo o mais que ficam aqui”, ela conta. “Assim que recebemos o comunicado de que o cursinho do rapaz ia passar para online, a gente se organizou”. Isso aconteceu na semana de 16 de março.

A preocupação com a falta de estrutura da região existe. Neste fim de semana, a cachorrinha teve desidratação e a família penou para conseguir uma clínica. Tiveram que voltar a São Paulo para tratar do animal.

“Amigas de São Paulo tiveram essa mesma preocupação quando eu disse que vinha. E a assistência médica? Mas, veja, em duas horas eu estou em São Paulo se for necessário.”

Dias antes da Páscoa, Fabiana se preocupou com o visível aumento de gente descendo para o feriado. “Tinha fila no mercado, o que nunca tinha visto. Mas a praia está fechada, o shopping está fechado, tem apenas alguns restaurantes fazendo entrega. E a ressaca do mar está brava. Esses dias não tinha nem areia na praia, tudo encoberto.”

Um pouco mais ao norte, em Ubatuba, Janaína Pedroso oferece uma visão contrária desse movimento. Moradora da praia de Itamambuca, para onde se mudou há três anos justamente para surfar, ela relata uma invasão de surfistas de fim de semana, atrapalhando a quarentena.

“Semana passada teve um dia com uns cem surfistas no mar”, conta. O caso tem revoltado atletas profissionais da região, que estão seguindo a quarentena e denunciam nas redes sociais quando veem alguém burlando as cercas.

Outro tipo de problema tem acontecido em Camanducaia (136 km de São Paulo), na divisa com Minas Gerais. Monte Verde faz parte do município, e, apesar de hotéis e pousadas terem baixado as portas, há muitas casas de veraneio alugadas pela internet.

Grupos de mais de dez pessoas fazendo festas em chácaras vinham chamando a atenção da população. Neste feriado, o prefeito Edmar Dias (MDB) baixou um decreto impedindo os veranistas de entrar. “Sei que é polêmico, mas estamos numa situação de calamidade pública”, diz.

Igor Abreu com a família, que partiu para Sete Lagoas (MG); sua tia Christiani Ferreira é a segunda da esq. para a dir.
Igor Abreu com a família, que partiu para Sete Lagoas (MG); sua tia Christiani Ferreira é a segunda da esq. para a dir. - Arquivo Pessoal

Neste domingo, ele conta que 76 pessoas saíram da cidade após a fiscalização aparecer em suas casas. O portal da cidade também recebeu equipes, apoiadas pela Polícia Militar, que não permitiam a entrada de visitantes. Segundo o prefeito, 232 pessoas deixaram de entrar na cidade.

Ainda em Minas, Christiani Ferreira foi para mais longe. De São Paulo, partiu com o sobrinho, Igor Abreu, para a casa de sua mãe, em Sete Lagoas, próxima a Belo Horizonte. “Pinheiros parecia uma cidade fantasma”, conta ela, que saiu do bairro paulistano no dia 8 e percorreu mais de 600 km da rodovia Fernão Dias (“sem carros à vista, apenas caminhões”), em direção a Minas Gerais.

“Fiquei espantada quando cheguei. Parte da cidade não se deu conta da seriedade da coisa. Vi fila em portas de bancos, comércio tumultuado etc. Mas enquanto minha agência continuar trabalhando em home office, não penso em voltar. Estou cuidando dos meus e sendo cuidada por eles. Isolamento em família é menos doloroso, sabe?”

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