Separados há dez dias, mas sem poder sair de casa durante a quarentena, Maria, 22, e seu ex-marido restringem suas conversas a “bom dia”, “boa noite” e assuntos sobre comida ou dinheiro.
A universitária, que pediu para ter seu nome alterado, é uma das jovens ouvidas pela reportagem que terminaram seus relacionamentos durante o isolamento.
Isso porque nem mesmo o amor escapou dos efeitos do novo coronavírus. Isolados em casa ou impossibilitados de se encontrar, casais passam a avaliar suas prioridades, a qualidade dos seus relacionamentos e se a presença do outro é assim tão importante.
Maria, que se casou em 2018 e foi logo morar com o marido em Porto Alegre, vinha há meses questionando se não teria se precipitado ao assumir um compromisso desses tão nova. Para completar, o carinho e o sexo já não eram os mesmos.
Ela diz que a quarentena tirou todos seus estímulos externos e a fez questionar a vida que estava levando e a rotina que tinha criado. Maria pretende, ainda nesta semana, retornar para a casa de sua família em Uberlândia (MG).
Ailton Amélio da Silva, doutor em psicologia e professor da Universidade de São Paulo (USP), diz que a quarentena é uma prova de fogo para os relacionamentos.
“Atualmente, os casais passam muito tempo fora, trabalham e estão cansados. Quando se encontram, tratam apenas de problemas práticos. O romance, o ‘sex appeal’, tudo isso vai perdendo espaço”, analisa ele.
O especialista avalia que, agora isolado, o casal é quase que obrigado a ficar na presença do outro e pode perceber o que ele chama de esvaziamento da relação. Para completar o quadro, a situação de incerteza que a pandemia traz, a ameaça econômica, gera uma tensão natural que pode levar a brigas mais frequentes.
Mas mesmo para quem não divide o mesmo teto, a impossibilidade de poder se encontrar também afetou as relações. Por isso, a solução de muitos foi romper por meio de mensagens ou de videochamadas.
O fenômeno até ganhou nome próprio nos Estados Unidos: é o zumping, mistura de Zoom (aplicativo de videoconferência) com dumping (terminar, em inglês), e se aplica aos términos por meio de aplicativos.
É o caso de Aline, 22, que estava com Lucas, 21, havia três anos. Devido à quarentena, a paulistana, que mora com a mãe e o irmão, ficou sem ver o namorado por um mês.
Foi durante esse período que ela, que pediu que o sobrenome fosse ocultado da reportagem, notou algo de estranho. Enquanto as amigas sofriam, faziam contagem regressiva e planejavam escapadas para encontrarem os amados, Aline percebeu que não sentia tanta falta de Lucas.
Ela começou a refletir sobre atitudes dele que a incomodavam, como situações em que o ex era rude ou parava de falar com ela sem motivo. O término aconteceu por meio de uma videochamada do aplicativo Duo, que durou mais de uma hora.
Com Livia Karoline de Freitas Carlos, 20, a decisão partiu do (agora ex) namorado de seis anos, que terminou a relação por WhatsApp. “Ele começou a ficar estranho e percebeu que não gostava mais de mim”, relata a estudante de estatística da Ufscar, em São Carlos. “Com a quarentena, acho que a cabeça pode parar um pouco para pensar, porque sempre estamos a mil por hora.”
“Hoje [um relacionamento] começa, se mantém e termina via internet. Quanto mais distante do real, mais corajosos ficamos”, avalia o psicólogo Silva. Mas ele chama a atenção para o fato de que rompimentos assim estão longe de serem ideais, pois pode ser traumático terminar algo longo e profunda por meio de uma chamada ou de um vídeo.
A paulistana Caroline, 23, terminou o namoro de oito anos por telefone. Em meio à pandemia, ela relata que tem trabalhado o triplo para manter a renda da sua casa por meio de venda de marmitas. “Já não estávamos bem e eu nem percebia”, disse ela, que passou a perceber que o ex também não fazia falta.
Ela tem mais um problema para lidar quando a pandemia passar: eles tinham comprado um apartamento juntos. Agora, Caroline, que pediu que o sobrenome não fosse divulgado, quer comprar a parte do antigo companheiro.
“São coisas que ainda precisamos acertar melhor. O término foi uma briga horrível. Quero conversar pessoalmente e tentar resolver tudo da melhor maneira possível”, diz.
O psicólogo Amélio da Silva, que antes da quarentena já atendia casais, continua com boa parte das sessões por vídeo. E ganhou novos pacientes: “Tem gente que veio me procurar também pela crise, porque terminou um relacionamento e está sofrendo”.
Mas nem sempre o isolamento é algo negativo. “Tem um grupo [menor] que intensifica o relacionamento porque agora tem tempo para conversar e estar junto.”
Pode ser que esse seja o caso dos avós da estudante de medicina Nathalia Desiderio, 22, que diz que percebeu melhora no relacionamento de quatro décadas deles. O casal, que vive em São João (PR), brigava tanto que a separação já era uma possibilidade.
Agora, Desiderio e sua mãe flagraram o casal limpando a casa e cozinhando juntos. Se antes as discussões eram entre si, agora é a neta que às vezes leva bronca.
“Eles passaram a defender um ao outro em tudo.”
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