Três obras foram paralisadas pelo Sindicato da Construção Civil de São Paulo (Sintracon) após trabalhadores apontaram a falta de equipamentos de proteção e de higiene para evitar o novo coronavírus.
As assembleias foram realizadas na manhã desta segunda-feira (27) em frente aos empreendimentos, todos na zona oeste de São Paulo: um na rua João Moura, um na rua Henrique Monteiro (ambos em Pinheiros) e um na avenida Rebouças, de um complexo predial de 17,5 mil m². A construtora Lock é a responsável pelos três canteiros.
Trabalhadores ouvidos pela Folha, sob condição de anonimato, afirmam que em uma das construções, a da rua João Moura, o mestre de obra está afastado desde 15 de abril e foi diagnosticado com coronavírus. O homem, segundo os colegas, ficou mais de uma semana internado. O encarregado de obra, com sintomas, também se ausentou recentemente.
Ao observar a movimentação nesta obra, trabalhadores de uma construção ao lado, de responsabilidade da Gafisa, aderiram à paralisação.
A reportagem procurou a Lock, que respondeu que, após tomar conhecimento do caso, afastou cerca de cinco funcionários que teriam tido contato direto com o infectado e que disponibilizou testes para eles. Também diz ter contratado uma empresa para realizar a desinfecção do canteiro.
A Gafisa disse que não possui funcionário com suspeita ou confirmação de coronavírus, que adota medidas preventivas, que faz testes em quem apresentar sintoma e que a obra em questão foi paralisada pela proximidade ao outro canteiro.
Os trabalhadores da Lock têm a temperatura medida todos os dias (e são afastados caso tenham febre), mas temem que o número de infectados seja muito maior, uma vez que mestre e encarregado passam por todos os andares e entram em contato com praticamente toda a equipe cotidianamente.
O Sintracon pede que todos sejam examinados, e a cosntrutora afirma que o fará.
Mais de 180 pessoas passam diariamente pelos três canteiros de obras da Lock, segundo o sindicato —só na rua João Moura seriam mais de cem. De acordo a construtora, o número não chega a uma centena.
"Mesmo realizando supervisão de todos os procedimentos e seguindo as orientações dos órgãos de saúde, tivemos caso positivo e que, quando identificado, tomamos as medidas de imediato, ou seja, afastando e dando todo o suporte necessário a esse colaborador", afirmou a empresa.
A construtora diz ainda que tem um comitê de contingência para combate à Covid-19 e que adota os procedimentos de segurança e higiene necessários em seus canteiros. Isso incluria álcool em gel nas áreas comuns e distribuição gratuíta de máscaras, além de medidas para manter a distância segura entre os operários nas obras e escalonamento de horários.
Apesar disso, um operário afirma que, após ficar afastado por 14 dias com sintomas, terá que pagar pela realização do teste para coronavírus (na rede pública, os testes por ora são destinados a profissionais de saúde e segurança e a doentes que possam necessitar de internação). Ele também afirma que comprou a sua própria máscara de proteção, uma vez que não teria recebido o equipamento da empresa.
Um outro, também afastado, diz que não teve ajuda de custo para pagar os remédios prescritos pelo médico do hospital público onde foi atendido e que teria gasto mais de R$ 260. Ele diz que recebeu equipamento de proteção apenas após um colega ser afastado.
Os relatos dão conta de que álcool em gel e estações de higiene são encontrados apenas na entrada da obra, e não nos andares. Nos banheiros, faltam sabonete e papel. As máscaras, ainda segundo esses relatos, seriam fornecidas com atraso, seriam escassas e de qualidade inferior à adequada ao ofício.
Em respeito às normas de isolamento social, a reportagem não foi até os locais, mas conversou com trabalhadores pela distância segura do telefone.
Os prestadores de serviço da construção civil, em sua maioria, trabalham por demanda e precisam da renda para sustentar a família.
O setor foi enquadrado como serviço essencial em São Paulo e, por isso, não teve suas atividades paralisadas durante a quarentena. O estado planeja reabrir sua economia em maio, caso a população cumpra um nível mínimo de isolamento.
Em ofício enviado às mais de 30 mil empresas cadastradas, o Sintracon determinou medidas que devem ser cumpridas durante o período de isolamento para garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores.
Todos os trabalhadores devem ter sua temperatura medida antes de entrar na construção. Dentro dela, eles precisam ter à disposição álcool em gel e estações de higiene. Um segundo ofício determinou o uso de máscaras.
Antes, o Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp) havia recebido denúncia análoga, sobre falta de equipamentos e também de sobrecarga no trabalho, referente a hospitais públicos e privados. O Ministério Público abriu um inquérito para apurar os fatos.
No último sábado, a Folha noticiou a morte de um carpinteiro que trabalhou gripado por duas semanas em uma obra na Vila Madalena.
Atuam na construção de um prédio de alto padrão em média mais 200 funcionários e, desde o início da quarentena, sete já foram afastados.
Segundo os próprios trabalhadores, no entanto, a empresa responsável por essa outra obra, a Even, disponibilizou todo o equipamento necessário de proteção e higiene, além de aferir a temperatura dos operários diariamente na entrada.
Gilmar, o carpinteiro, não apresentou febre antes de ser afastado —a gama de sintomas da Covid-19 é ampla e eles diferem muito em cada pessoa, sendo registrados casos sem febre ou mesmo com hipotermia (temperatura abaixo da média).
Foi internado num hospital no M’Boi Mirim, sem plano de saúde e, após cerca de 20 dias, morreu após ser diagnosticado com coronavírus e pegar pneumonia.
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