Familiares denunciam transferências sem aviso e falta de informação em hospitais de campanha

Reportagem conversou com pessoas em busca de novidades de parentes no Anhembi e no Pacaembu

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São Paulo

Pelo portão de ferro da entrada principal do estádio do Pacaembu, na zona oeste de São Paulo, é possível espreitar o topo das tendas brancas instaladas no interior e que fazem parte do hospital de campanha montado de forma emergencial para atender pacientes com Covid-19. Vez ou outra, a porta se abre e de lá sai um homem que, aos poucos, fala com quem espera notícias do lado de fora.

Por volta das 16h desta terça-feira (5), Wellington de Souza era uma dessas pessoas. Seu pai havia recebido alta e ele aguardava a vez de o pai atravessar os portões. O jovem de 21 anos é um dos casos ouvidos pela reportagem que enfrentaram dificuldades para conseguir informações de doentes infectados ou com suspeita de Covid-19 em diferentes hospitais públicos da capital.

O seu pai foi internado no Hospital Santa Marcelina no sábado (2) e Souza foi só ter notícias dois dias depois, na segunda, quando recebeu uma ligação de um assistente social dizendo que ele havia sido transferido na noite anterior e agora estava Pacaembu. “Para mim ele continuava no Santa Marcelina”, disse.

Além de pai e filho não conseguirem falar diretamente —o hospital não permitiu que ele ficasse com o celular—, toda vez em que o jovem ligava para conseguir uma atualização “diziam que não podiam passar informações”.

Assim que recebeu a notícia que de que o pai estava no hospital de campanha, foi até o local para entregar uma mala com roupas e o celular, como sugerido pelo assistente social. Embora agora soubesse o seu paradeiro, continuou no escuro em relação ao quadro de saúde.

Foi inclusive o pai, agora com o telefone de volta, que avisou que seria liberado. “Fiquei sabendo que ele teria alta hoje [terça] porque ele mandou mensagem”, revelou.

Quando a reportagem conversou com Wellington de Souza no Pacaembu, ele estava há uma hora à espera do pai. À noite, o jovem entrou em contato por mensagem e disse que o encontro entre os dois só foi acontecer às 18h15, mas nem mesmo nesse momento ele conseguiu informações sobre a evolução e condição de saúde do pai. Foi informado apenas de que ele teria que ficar de repouso por 40 dias

“Tentei falar com alguém da equipe médica e não consegui, somente com a assistente social. Ela me disse que iria passar o caso para a coordenação e que iria conversar com a equipe médica para entrarem em contato comigo por telefone, mas não acredito que isso aconteça”, contou.

Encostada à parede do Pacaembu, também nesta terça, Paloma Barros era outra que esperava notícias do pai, transferido do Hospital do Campo Limpo, na zona sul da cidade. A voz, que começou tímida e baixa no primeiro contato com a reportagem, aumentou conforme ela narrava os problemas que a família teve com o sistema.

“O [Hospital do] Campo Limpo me passou que ele tinha saído em uma ambulância, às 18h20, para o [Hospital do] M’Boi Mirim”, contou. Mas quando ela ligou, às 20h, para confirmar a chegada do pai ao novo hospital, o local informou que ele não tinha dado entrada.

“Aí eu liguei umas três vezes, eles tiveram que ver a ficha de novo e falaram que tava aqui [Pacaembu]”, continua. Ela entrou em contato por WhatsApp e uma assistente social disse que seu pai tinha chegado às 17h40. Notícias sobre sua saúde só chegariam no dia seguinte.

Quando foi embora do Pacaembu, após também ter deixado algumas roupas e falado com a equipe, não deu detalhes do estado de saúde do pai, mas disse que os médicos tinham seu número e que iriam ligar com atualizações. Soou mais confiante.

Também nesta terça, em frente ao Hospital de Campanha do Anhembi, na zona norte da cidade, famílias formavam uma fila de automóveis para buscar pacientes de alta ou tentar conseguir alguma atualização.

Encostado em uma moto, Ronnie conta que demorou 24 horas até ele descobrir onde estava a sua mãe, após ela ser transferida do Hospital Geral de Pedreira às 13h do dia anterior. O filho de 28 anos foi informado de que ela estava no Pacaembu. “Nós ficamos preocupados, ligamos lá, mas não conseguimos falar com ninguém”, contou.

Sem notícias, ele retornou ao hospital para tentar esclarecer as informações. “Eles bateram o pé, dizendo que ela estava lá [Pacaembu]”, disse.

“A gente ficou sabendo agora que ela estava no Anhembi. O pessoal daqui ligou umas 14h e viemos.” E de acordo com Ronnie, o Hospital Geral de Pedreira ainda insiste na informação errada. “Até agora eles continuam me falando que ela está no Pacaembu. E não é só a minha família não, eu vi um monte de gente passando por isso, notícia errada.”

A ligação do médico aconteceu enquanto Ronnie falava com a reportagem, mas ele reclama da falta de clareza nas informações. “Ela estava com broncopneumonia e falaram que ela tava com esse vírus [Covid-19] também, mas o resultado não saiu, falaram que vai demorar um mês. O médico acabou de dizer que ela está tomando antibiótico, mas que é para outro vírus. A gente não sabe se ela tem isso.”

A enfermeira Elica, que pediu que seu sobrenome não fosse divulgado, disse que teve de ser “bem dura” para conseguir informações sobre o seu pai, internado desde o dia 17 de abril. Ele recebeu alta na terça. “Tinha dias que ligava, depois não tinha notícias por mais dois”, contou.

Enquanto esperam pela alta ou por atualizações, os familiares conversam entre si sobre a ausência de informação e alguns reclamam da falta de acolhimento que sentem —"eu sei que é difícil ajudar todo mundo, mas a família também precisa de auxílio psicólógico", comentou uma mulher em frente ao Anhembi. E o problema não parece ser só de agora.

No dia 18 de abril, Fabiano Honorio da Rosa foi transferido para o Hospital de Campanha do Pacaembu. Foi a última vez que Solange viu seu marido. Ela foi informada de que todos os dias receberia atualizações e saiu tranquilizada. Quando não recebeu nenhuma notícia até a tarde do dia 20, começou a ficar preocupada, e uma das sobrinhas do marido dirigiu até o local.

A sobrinha foi informada de que ele tinha sido transferido para o Hospital da Bela Vista. Até então, ninguém da família sabia da mudança. Fabiano morreu na terça-feira (21), dois dias dias após ter completado 41 anos.

Questionada sobre o assunto, a Secretaria Municipal de Saúde informou, em nota, que “todas as informações referentes ao estado de saúde dos pacientes internados nos HMCamp (Anhembi e Pacaembu) são passadas diariamente e exclusivamente via contato telefônico realizado pelos funcionários com os familiares de todos dos pacientes, a partir do número de telefone que consta no prontuário médico, não sendo necessário nenhum cadastro”.

A pasta ainda ressaltou que “não é disponibilizado número telefônico para que os pacientes entrem em contato com a unidade e que o fluxo das informações ocorre dessa maneira para manter o sigilo de prontuário médico, sendo informados somente os familiares ou responsáveis com os números cadastrados no prontuário no momento da transferência do paciente para a unidade”.

Nesta terça, os hospitais Anhembi e Pacaembu tinha, respecticamente, 471 e 151 leitos ocupados.

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