Descrição de chapéu Coronavírus

Letalidade do coronavírus entre presos brasileiros é o quíntuplo da registrada na população geral

Número, porém, pode estar subestimado, pois apenas 0,1% da população carcerária foi testada

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São Paulo

Superlotado, com falta de água a comida e sem testagem significativa de presos com sintomas, o sistema prisional brasileiro vê a Covid-19 avançar com uma taxa de letalidade que é cinco vezes a daquela que aflige quem está fora das grades.

O cálculo foi feito com os dados disponibilizados pelo Depen (Departamento Penitenciário Nacional) até esta quinta-feira (30), considerando também os casos e mortes já divulgados pelas secretarias estaduais, mas que ainda não estavam no painel do Ministério da Justiça.

O primeiro caso de coronavírus em uma prisão foi confirmado no dia 8 de abril. Nesses 23 dias, foram contabilizados 239 detentos infectados e 13 óbitos, uma taxa de letalidade de 5,5%. Já na população em geral, o primeiro caso foi confirmado em 26 de fevereiro e, no 23º dia, eram 621 infectados e 6 mortes, uma taxa de 0,96%.

A primeira morte provocada pela doença foi mais rápida dentro do sistema prisional: nove dias após o primeiro caso confirmado. É menos que a metade do tempo observado para a primeira morte na população em geral —20 dias.

Os números podem ser ainda mais alarmantes. Isso porque o sistema do Depen demora em atualizar os casos, fornecendo um panorama aquém da realidade. Além de, segundo o próprio orgão, terem sido testados apenas 755 detentos, de um total de 755 mil, o que corresponde a só 0,1%.

Oficialmente, o Ministério da Justiça vem minimizando o receio de que a pandemia se alastre de forma descontrolada nas cadeias, ao mesmo tempo em que é palco de uma conturbada troca de titular.

O ex-ministro Sergio Moro era enfático em criticar a soltura de detentos, recomendada aos tribunais pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), para os casos de presos em grupos de risco ou preventivos e dos condenados por crimes menos graves.

O novo ministro, André Mendonça, não explicou no discurso de posse se apoia ou não a soltura, nem o que pretende fazer para controlar o avanço do vírus no sistema prisional.

Nos bastidores, no entanto, a pasta se articula para viabilizar novas vagas e instalações temporárias.

A proposta do ministério era o uso de contêineres, como adiantado pela Folha. O formato precisa ser autorizado pelo Conselho Nacional de Políca Criminal e Penitenciária e está sendo criticado por defensorias públicas, entidades de direitos humanos, ex-ministros da Justiça, pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, e pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli.

A disparidade da taxa da letalidade pode ser explicada por uma série de fatores. A primeira delas é que, diferentemente do lado de fora, não há espaço para isolamento social dentro das cadeias, o que multiplica o contágio, diz Rafaela Albergaria, do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro. A média de superlotação do país é de 170%.

"Tem unidade que libera só duas horas de acesso a água por dia. Celas com 200 pessoas, sem ventilação, sem saneamento básico. Não tem isolamento ne m garantia mínima de assistência médica, higiene ou limpeza", afirma.

Além disso, diariamente, circulam pelas unidades agentes penitenciários, policiais penais e profissionais de saúde, que retornam para as suas casas após o trabalho.

Em São Paulo, um agente penitenciário relatou à Folha a falta de insumos básicos, de álcool em gel e máscara a papel higiênico ou sabonete, além da escalada de tensão, com vários princípios de motins.

Rebeliões já aconteceram em São Paulo, no Acre e em Manaus.

Segundo Mário Guerreiro, conselheiro do CNJ e supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário, os estados nos quais a Justiça tem resistido em determinar a soltura de presos são os que mais sentem os efeitos da propagação do vírus. "É o caso do Rio, Distrito Federal, Roraima e Pernambuco, por exemplo. Desastres anunciados", afirma.

Detentos têm enviado cartas de despedida. "Minha vida, eu não sei mais o que fazer. Estou há 20 dias com febre. Ela vai e volta. De vez em quando, dor de cabeça e tosse seca. Não sinto gosto de nada. E nem cheiro de nada. Estou apavorado. Não sou só eu. Tem vários com esses sintomas, vida", diz uma das cartas, escrita em São Paulo e divulgada pelo UOL.

O trecho ilustra uma das principais críticas que vêm sendo feitas por especialistas: a de que há subnotificação e falta de transparência.

"As secretarias estaduais estão travando as informações para não sabermos a quantidade real de mortes. Vários óbitos têm sido registrados como decorrentes de 'causa indeterminada', 'insuficiência respiratória' ou só 'doença'", diz Rafaela Albergaria.

O Distrito Federal, por exemplo, é a unidade federativa com mais confirmações de Covid-19. Mas há uma grande diferença entre as bases de dados: enquanto o Depen apontava 72 casos, a Sesipe (secretaria estadual de administração penitenciária) indicava 154 doentes. Ainda de acordo com o órgão distrital, 63 servidores do sistema prisional tiveram teste positivo para Covid-19.​

No Rio de Janeiro, local da primeira morte oficialmente reconhecida no sistema prisional, o coordenador da Pastoral Carcerária, padre Roberto Magalhães, afirma que recebeu pedido da Seap (secretaria estadual de administração penitenciária) para que a entidade religiosa enviasse profissionais de saúde para ajudar voluntariamente no sistema prisional e doasse material de limpeza.

O padre diz ter conseguido R$ 4.000 da Conferência dos Bispos do Estado para comprar itens como cloro e sabão e entregar à administração pública.

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