Profissionais da área da saúde que trabalham no Hospital de Campanha do Anhembi, montado na zona norte de São Paulo para atender vítimas da Covid-19, têm desistido de plantões já contratados por falta de equipamentos de proteção e pela carga excessiva de trabalho, segundo relataram à Folha.
A reportagem conversou com médicos e um enfermeiro que trabalham na linha de frente no atendimento às vítimas do novo coronavírus. Até esta segunda-feira (25), 24 pacientes já haviam morrido no hospital, construído para atender os casos de baixa e média complexidade.
A prefeitura e as operadoras responsáveis pela gestão do espaço negam que faltem insumos e espaço.
O hospital foi montado com 1.800 leitos no Complexo do Anhembi, pavilhão que costuma receber eventos de negócios, shows e apresentações esportivas. A Prefeitura de São Paulo contratou duas empresas para administrar o espaço, a Iabas e a SPDM, organizações que gerem equipamentos de saúde da rede pública.
Além do Anhembi, a prefeitura também adaptou o Estádio do Pacaembu para receber pacientes, que é administrado pelo hospital Albert Einstein, com 200 leitos.
Os dois hospitais funcionam no chamado regime de portas fechadas. Não é possível entrar no local alegando que está com sintomas de coronavírus. É preciso ir a uma outra unidade de saúde que, se for o caso, encaminha o paciente para lá.
No Anhembi, porém, os médicos relataram receber também pessoas com suspeita da contaminação mas cujo exame ainda não saiu. "Se a pessoa estava com falta de ar por qualquer outro motivo, com certeza ela é contaminada lá", disse uma médica à reportagem.
Os profissionais com quem a reportagem falou pedem para não serem identificados por medo de retaliação nos contratos com as operadoras.
Uma das principais reclamações é sobre a disponibilidade de equipamentos de proteção individual: alegam que aventais fornecidos não seguem os padrões por terem uma gramatura abaixo da recomendada e, como não são impermeáveis, acabam colocando os trabalhadores em risco.
A estrutura do complexo também é alvo de críticas. Houve um episódio de falta d'água, em 25 de abril, em que não foi possível dar banho nos doentes nem completar a limpeza do espaço. Além disso, as luzes não se apagam, e os pacientes não percebem o passar das horas nem sabem que dia é, relatam.
O ambiente onde os trabalhadores descansam não costuma apagar as luzes, mesmo em plantões noturnos. Eles reclamam que os espaços são insuficientes, e que por vezes precisam dividir colchões, o que facilita a contaminação, ou dormir em cadeiras.
Também afirmam que, às vezes, cada médico fica com mais de 15 pacientes sob seus cuidados, e que precisam assumir funções burocráticas, o que sobrecarrega os trabalhos e impede um atendimento mais atento.
Tudo isso fez com que os médicos começassem a desistir de trabalhar lá. "Já passei alguns para frente, pela quantidade de problema que deu. E não sei se vou pegar mais em junho. Tem muita gente boa se esforçando muito, dando o máximo, mas, nessas condições, não tem como trabalhar, tanto pela parte física quanto pela parte emocional", disse uma médica à reportagem.
A Folha teve acesso às mensagens de um grupo de médicos em que alguns deles perguntavam se colegas poderiam assumir alguns de seus plantões.
Os trabalhadores se reuniram e enviaram uma carta ao Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp), em que alertavam, entre outras coisas, para os problemas no avental, o número de pacientes por médico e a falta d'água.
Victor Vilela, diretor no sindicato, confirma que a entidade vem recebendo denúncias e diz que acionou o Ministério Público do Trabalho. No dia 12 de maio, o sindicato alertou a prefeitura para os problemas em uma mesa técnica montada para discutir as ações de combate à doença.
"O principal limitante é a questão dos equipamentos. A gente não chegou à situação de outros estados, porque São Paulo tem uma estrutura melhor, mas, nesse ritmo, se não tivermos condições adequadas para trabalhar, a situação vai piorar", afirma.
Operadoras negam falta de equipamento e espaço inadequado
Em resposta aos questionamentos, a prefeitura afirmou que há pelo menos 1 médico para cada 10 pacientes, conforme preconica o Ministério da Saúde, e que a carga de trabalho é condizente com o planejado.
Diz ainda que o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) esteve no hospital na semana passada, quando conversou com médicos, teve acesso ao pavilhão e verificou fluxos e protocolos de atendimento. A secretaria da Saúde também disse que os conselhos regional e federal de enfermagem estiveram no local e se colocou à disposição da reportagem para uma futura visita ao local.
"A vistoria constatou que todos os procedimentos estão sendo tomados dentro dos parâmetros exigidos pelas autoridades em saúde", diz a nota da prefeitura . "Os profissionais confirmaram ao Cremesp que se sentem seguros com os EPIs fornecidos."
Segundo a nota, o Hospital de Campanha do Anhembi, desde o início da operação, recebeu 81 mil máscaras cirúrgicas, 150 mil pares de luvas, 46 mil aventais , 40 mil toucas e cerca de 20 mil macacões de proteção impermeáveis e 5.000 máscaras especiais com válvula e purificação de ar, de forma que todos os profissionais fossem contemplados com equipamentos condizentes.
Em nota enviada à reportagem, a SPDM afirmou que não procedem as afirmações dos médicos. "Não há falta de EPIs na unidade e todos os profissionais têm acesso aos equipamentos de proteção individual, dentro sim dos padrões exigidos pela Anvisa e são disponibilizados conforme a necessidade de cada profissional. Inclusive aventais impermeáveis e também macacões impermeáveis Tyrek."
A organização social diz que duas salas de estar foram disponibilizadas para o conforto com mesas, cadeiras, poltronas, sofás e bomboniere, além de beliche, frigobar e poltronas.A lém disso, alega que as áreas de internação são divididas entre pacientes com suspeita e pacientes com diagnóstico já confirmados.
A Iabas afirmou que todos os trabalhadores "recebem os EPIs necessários e adequados para o trabalho" e que a proporção atual é de oito pacientes por médico nos leitos de estabilização. Nos leitos de baixa complexidade, são de 18 a 20 pacientes por médico.
As empresas disseram ainda que, como o hospital funciona em uma estrutura adaptada, não é possível diminuir a iluminação do pavilhão. A Iabas afirmou que mantém uma rede de doações de itens como máscaras de dormir e protetores auriculares para os pacientes.
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