Descrição de chapéu Coronavírus

Moradores relatam descaso com isolamento social nas periferias de SP

Apesar do aumento do número de vítimas da Covid-19, periferias têm churrasco, funk e futebol

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Lucas Veloso
São Paulo | Agência Mural

Na região com mais vítimas com Covid-19 em São Paulo, a aposentada Aparecida André da Silva Hora, 68, conta que viu pouca coisa mudar desde que foi divulgado que havia uma pandemia em curso.

Ela vive no Jardim Carumbé, no distrito da Brasilândia, na zona norte da capital. Por ali, churrasco, baile funk e pessoas bebendo nas ruas são algumas coisas que ela observou desde que o isolamento social foi instituído na cidade.

"Ninguém respeita nada de isolamento", diz ela. Na segunda-feira (4), a região tinha 103 óbitos por Covid-19 confirmados ou suspeitos.

Ela relata a dificuldade em ficar em casa durante as semanas de quarentena, mas critica a atitude dos vizinhos. "Que adianta os velhos trancados em casa e os novos na rua badernando?", questiona. "No fim de semana, pode passar de noite que têm barulho e gente sem máscara. Nem com os doentes eles não tem respeito."

Mesmo com quarentena, aglomeração em feiras prosseguiu e muitos não utilizam máscaras para comprar alimentos
Mesmo com quarentena, aglomeração em feiras prosseguiu e muitos não utilizam máscaras para comprar alimentos - Lucas Veloso/Agência Mural

Na cidade de São Paulo, os índices de isolamento da população, divulgados pelo governo do estado, computaram os menores índices das últimas semanas. Na terça-feira (5), ficou em 48%, quando o ideal é de 70% para evitar a propagação do coronavírus.

A autônoma Alessandra Peres, 42, é filha de Aparecida e também mora na Brasilândia. Ela é uma das pessoas que faz o caminho do mercado e da farmácia para evitar que a aposentada saia às ruas.

Para ela, na região, "reina a falta de respeito" dos moradores. "Vejo muita falta de respeito, muita turminha fumando narguilé e sem máscaras", comenta. A autônoma cita que perto de casa, algumas pessoas foram infectadas pelo vírus, e nem isso foi motivo para diminuir o fluxo dos vizinhos nas ruas.

O marido de Alessandra trabalha de noite e chega no bairro na madrugada. Segundo ela, nem nessa hora há sossego. "É gente na rua, rodinhas com funk, além dos motoqueiros, pessoas caminhando sem máscara". Para Alessandra, as pessoas que não se conscientizaram ainda. "Verão que a doença é grave quando alguém morrer na família".

O educador social Fábio Ivo, 49, lidera a Rede Brasilândia Solidária, composta por 23 entidades do bairro com o objetivo de pressionar o poder público por melhores condições aos moradores da região e conscientizar a população.

Para ele, de algumas semanas para cá, existe uma nova Brasilândia, pois na comparação com um mês atrás as pessoas estão mais conscientes. "Ainda tem muita gente circulando, mas o número é menor. A maioria está ficando em casa", comenta.

Por outro lado, ele observa as dificuldades de muitas famílias em conseguir manter o isolamento social, por causa da falta de comida e do tamanho das casas.

O descumprimento às medidas de isolamento social tem sido visto em várias regiões da capital. Além de moradores que precisam ir às ruas para trabalhar em locais que prestam serviços essenciais, como mercados e farmácias, há trabalhadores informais que têm restabelecido a rotina.

Por outro lado, a descrença com relação às medidas de isolamento e dúvidas em relação à letalidade da Covid-19 também têm afetado o cumprimento da quarentena.

O vistoriador de carros e imóveis Luis Fernando Pereira, 43, mora na Vila Ré, na zona leste, e diz que a situação retratada pela mídia não passa de exagero. "Você só vê abrirem covas, mas não vê as mesmas sendo utilizadas", comenta. "Isso me causa grande estranheza". Por outro lado, diz que os jornais são sua principal fonte de informação, já que "as redes sociais têm muitas fake news".

Ele questiona porque a doença "só pega em trabalhador" e diz não ter ouvido falar em casos na cracolândia, região do centro de São Paulo, onde há concentração de pessoas com dependência química. Também diz acreditar que óbitos causados por outras enfermidades como derrames foram somadas às de Covid-19, pois querem causar pânico na população.

"Continuo levando minha vida normal", diz, apesar de usar máscara para ir trabalhar. Sobre os defensores do isolamento no bairro, Luis comenta que são "‚pessoas que estavam querendo férias dos empregos e aproveitaram a doença pra ficar em casa de boas".

Em São Mateus, na zona leste, o aprendiz de chaveiro automotivo Marcelo Brandão da Silva Junior, 20, também discorda do isolamento, mas diz que tem a medida tem seus benefícios no sentido de alertar sobre o perigo do vírus.

"Acho que a grande dificuldade é com as medidas bruscas para repressão da população", pontua. "O povo brasileiro precisa muito do contato, do calor humano", completa.

Marcelo afirma que lamenta por quem perdeu familiares na pandemia, mas admite que nos últimos dias, fez festa para a namorada e visitou parentes, comportamentos não indicados pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Por outro lado, diz que usa álcool em gel e evita contato com os avós.

Ele diz que vê as centenas de mortes no noticiário sobre outros países, como Itália e Espanha, mas não acredita que o Brasil sofra nas mesmas proporções. Para ele, os preocupados com as mortes "são desesperados"

Ambulantes seguem com produtos à venda na zona leste
Ambulantes seguem com produtos à venda na zona leste - Lucas Veloso/Agência Mural

Moradora de Taboão da Serra, na Grande São Paulo, a professora Najara Lima Costa, 39, mestra em Ciências Humanas e Sociais, aponta como um dos motivos para o descumprimento cada vez maior da quarentena a confusão que a sociedade vive sobre os impactos na economia e a eficiência do isolamento social.

Najara acrescenta que um óbito por coronavírus pode atuar de forma mais silenciosa do que um homicídio. "Seja por conta da subnotificação ou pelo fato de assassinatos demonstrarem a violência de forma mais direta", define.

"Não temos a dimensão que afrouxar o isolamento social pode consequentemente matar inúmeras pessoas, pois a morte pode demorar algumas semanas para chegar e não é possível saber, com precisão, quem transmitiu o vírus", completa a professora.

Líderes comunitários se preocupam com o aumento do fluxo de pessoas nas ruas. No Jardim Valquiria, no Campo Limpo, zona sul, Gilmar Antonio de Sousa, 56, relata que as pessoas tratam o isolamento como estivessem de férias. "Ninguém está respeitando a coronavírus", completa.

De acordo com ele, a situação não mudou, apesar da contratação de carros de som alertando sobre os perigos da pandemia. Gilmar diz que falta empenho do poder público.

Nas semanas anteriores, grupos na zona leste fizeram vaquinhas online para circulação de carros de som, nos bairros de Cidade Tiradentes, Cohab ll e Guaianases. O áudio orienta sobre o uso da máscara e indica coletivos locais que estão fazendo distribuição de alimentos.

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