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Mortes por policiais crescem 43% no RJ durante quarentena, na contramão de crimes

Estado teve um óbito decorrente de ação policial a cada quatro horas, mesmo com a pandemia do novo coronavírus

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Rio de Janeiro

Na contramão de crimes como homicídios e roubos, as mortes por policiais no Rio de Janeiro sofreram um forte aumento em abril, quando o estado já estava sob medidas de isolamento social motivadas pelo novo coronavírus.

Foram 177 óbitos em decorrência de intervenções de agentes públicos, 43% a mais do que no mesmo mês no ano passado e o equivalente a uma morte a cada quatro horas. Quando se condidera o acumulado do quadrimestre, são 606 óbitos e um crescimento de 8%.

Os números foram divulgados nesta terça (26) pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), órgão ligado ao governo Wilson Witzel (PSC), e confirmam uma tendência que já vinha sendo apontada por um grupo de pesquisadores que analisou dados não oficiais da atuação policial no estado.

As operações e as mortes decorrentes delas tiveram uma queda considerável em março, com o início da quarentena, mas voltaram a subir em abril e maio, conforme mostrou esse levantamento do Observatório da Segurança do RJ, ligado à Universidade Cândido Mendes.

Para a socióloga Silvia Ramos, coordenadora do Observatório, a volta das incursões supreendeu. “Políticas de educação, de economia, tudo mudou nesse período, mas a polícia do Rio não muda. Eles passam dois recados muito fortes: não vamos mudar e não nos preocupamos com vidas em favelas, para nós o importante é combater o crime, mesmo às custas de tiroteios e mortes”, avalia.

Veículo leva corpos após operação no Complexo do Alemão, no Rio, em que 12 morreram
Veículo leva corpos após operação no Complexo do Alemão, no Rio, em que 12 morreram - Ricardo Moraes - 15.mai.20/Reuters

As operações e tiroteios em geral, mesmo em meio à crise sanitária, têm impedido doações dentro das comunidades e paralisado o atendimento em unidades de saúde —que na cidade do Rio seguem uma espécie de protocolo de guerra e fecham quando há confrontos.

O aumento dos óbitos por agentes contrasta com a queda de outros crimes durante o isolamento social. Os homicídios dolosos (intencionais) tiveram redução de 14% em abril (de 360 para 311) e de 4% no quadrimestre (de 1.413 para 1.355), em relação aos mesmos períodos de 2019.

Os crimes contra o patrimônio também registraram uma diminuição expressiva em abril, ainda maior do que em março. Os roubos de rua despencaram 64% (de 11.040 para 4.021), os roubos de veículos encolheram 51% (de 3.755 para 1.847) e os roubos de carga baixaram 49% (de 667 para 377).

Segundo o ISP, a queda nos indicadores pode ter ocorrido por causa do distanciamento social, que ajuda na redução da criminalidade, mas também por causa da diminuição dos registros das ocorrências, resultando em subnotificações.

O Rio de Janeiro tem recomendado a restrição à circulação de pessoas desde o dia 13 de março. No dia 16, Witzel decretou estado de emergência e determinou efetivamente o fechamento de grande parte dos estabelecimentos comerciais e serviços, que passou a valer no dia 18.

Com as restrições, as delegacias passaram a atender presencialmente apenas casos de emergência, como homicídios, prisões em flagrante, roubos de veículo e mulheres vítimas de violência. O restante das ocorrências vem sendo registrado por meio da Delegacia Online e da Central 190.

REPERCUSSÃO

O número oficial de óbitos em intervenções policiais divulgados nesta terça ainda não inclui uma série de mortes que causaram comoção na última semana no Rio. É o caso das 12 pessoas mortas durante uma ação da PM no Complexo do Alemão no dia 15 de maio.

Três dias depois, o menino João Pedro Matos, 14, foi baleado e morto dentro de casa após uma invasão da Polícia Federal e da Polícia Civil em São Gonçalo. No mesmo dia, familiares relatam que Iago César Gonzaga, 21, foi torturado e morto durante outra operação da Polícia Militar em Acari.

Na última quarta (20), uma incursão da PM que paralisou a distribuição de doações na Cidade de Deus acabou com a morte de João Vitor Gomes, 18. Na quinta (21), foi a vez de Rodrigo Cerqueira, 19, também morto durante uma ação que interrompeu a distribuição de cestas básicas no Morro da Providência.

A má repercussão dessa série de mortes em poucos dias levou o governador Witzel a se reunir com os secretários das polícias civil e militar ​e com representantes de movimentos sociais na última sexta (22) e recomendar que se evitasse operações enquanto grupos promovem ações e serviços humanitários.

Três dias depois, nesta segunda (25), uma jovem de 22 anos foi ferida por estilhaços na cabeça ao acordar em sua casa, na Cidade de Deus. Moradores relataram que policiais militares estavam na região no momento do tiroteio, mas a PM diz que uma equipe estava apenas se deslocando quando ouviu os disparos e não revidou.

Questionada na semana passada, a corporação afirmou que suas operações mensais se mantiveram no mesmo patamar no primeiro quadrimestre deste ano —sem responder quantas foram— e que as atividades de enfrentamento ao crime organizado não sofreram alterações com a pandemia.​

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