Descrição de chapéu Coronavírus

Pandemia deve matar cinemas lotados e velinhas de aniversário; veja hábitos que podem mudar

Para infectologista, já seria um avanço se brasileiros adotassem lavagem constante de mãos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Numa festa de aniversário, estão presentes as pessoas mais próximas de quem faz anos. A celebração é num local arejado, onde os convidados mantêm uma distância de um metro entre si. Na hora de cantar parabéns, nada de aglomeração ou de soprar as velinhas em cima do bolo —o doce é enfeitado, no máximo, por aquelas que soltam faíscas.

A cena pode parecer distante da realidade, mas é uma das mudanças de hábitos que Jean Gorinchteyn, infectologista dos hospitais Emílio Ribas e no Albert Einstein, prevê para um período esperado, o da pós- quarentena.

“A gente não sabe quando tudo isso vai acabar, estamos só começando. Quando nos referimos ao fim da pandemia, falamos de uma diminuição de casos, mas o vírus vai continuar circulando”, disse o médico. Por isso, ele enfatiza que não tem como voltarmos a ser como éramos antes enquanto não for desenvolvida uma vacina eficaz que proteja, ao menos, 90% da população mundial.

Goinchteyn imagina, ainda, outras situações, como uma ida ao cinema. “Uma solução é uma sala permitir a entrada de um número bem menor do que a sua capacidade”, diz ele. E cita outras soluções, ainda mais eficazes, como implantação de cabines de acrílica, em que se diminui o risco da aerolização, a dispersão de gotículas no ambiente.

E quando a pandemia enfim acabar? Raquel Stucchi, infectologista e professora de doenças infecciosas da Unicamp, tem dúvidas se algo, de fato, mudará nos hábitos de brasileiros. “Somos um povo efusivo, caloroso, que costuma se tocar muito, mesmo diante do cenário que estamos vivendo é possível ver que algumas regiões ainda não estão levando o distanciamento a sério."

Stucchi diz acreditar, ainda, que a população tem lidado com uma certa conformação com as notícias relacionadas ao coronavírus. “Tem um certo momento de revolta, mas não vejo que as pessoas olham para o comportamento delas para mudar. Costumam culpar o Samu que demorou ou a falta de hospital, mas nunca é porque fizeram uma festa para o Dia das Mães com toda a família.”

Ela avalia como um avanço se as pessoas incorporarem a necessidade de se lavar as mãos por cerca de 20 segundos e andarem sempre com álcool gel. E elenca ainda outras medidas que poderiam ser importantes, como não compartilhar copo e talher.

“Temos muito essa mania, por exemplo, quando vamos num bar, pedimos uma caipirinha e é comum todo mundo da mesa dar um gole para experimentar”, afirma a médica, listando um hábito que deve ser revisto e abandonado.

Stucchi ainda diz que o ideal também seria se adotássemos medidas comuns na cultura oriental, como o uso de máscaras no outono e inverno, meses em que se registra a maior incidência de doenças respiratórias.

Médico de família e clínico geral, Alfredo Salim Helito tem preocupações semelhantes com as de Stucchi. “Me preocupa porque a pandemia, diferente da quarentena, não vai acabar por decreto”, afirma ele.

“O vírus é transmitido pela fala, mão, maçaneta, vamos ter que remodelar todos esses hábitos”, comenta o médico que cita a China como exemplo. “Vimos agora que Wuhan voltou a reabrir um pouco e o número de infectados voltou a subir, o que mostra como a doença é altamente contagiosa”.

Ele também chama atenção para como as pessoas que integram o grupo de risco serão tratadas (como idosos, diabéticos e soropositivos), entre o período pós-quarentena e de desenvolvimento da vacina. “Eles vão ter que continuar confinados? Já há idosos que apresentam sinais de depressão porque não podem encontrar com familiares. Talvez só possam se encontrar com aqueles já infectados pelo coronavírus.”

Em um cenário pouco otimista, ele diz acreditar na possibilidade das pessoas passarem a mudar o raciocínio social e até em uma distribuição melhor de renda.

“Primeiro que, depois da pandemia, terá miséria. O desemprego é imenso, as empresas estão quebradas. Por isso, acredito que mesmo as pessoas com condição social melhor vão pensar menos em grifes ou farturas, porque vão ter visto de perto a miséria”, prevê Helito.

O epidemiologista e psicólogo da USP Frederico Eckschmidt prefere dividir o futuro em três possíveis cenários: o pessimista, o médio e o bom.

Em um cenário ruim, ele prevê um impacto emocional negativo entre os brasileiros quando se tiver acesso ao número real de infectados e mortos pelo novo coronavírus, já que há subnotificação, pois faltam testes em massa e há muitos casos e óbitos em investigação sem resolução até o momento.

“Isso pode causar medo e agravar a xenofobia, como já estamos vendo na África, onde os estrangeiros têm sido chamados de coronavírus”, diz Eckschmidt, que cita ainda a discriminação sofrida por chineses no Brasil e nos Estados Unidos. Ele comenta também sobre a perspectiva de redução da mobilidade. “Se nada mudar, pandemias vão voltar a acontecer” diz.

O médico diz que outra possibilidade é que haja uma transformação de hábitos, com as pessoas ficando mais em casa. Segundo ele, isso pode aumentar a qualidade de vida de alguns, mas piorar a de outros. “Como aqueles que vivem em uma casa turbulenta ou que já têm sentido dificuldade de educar as crianças em casa”.

No melhor dos casos, ele indica uma possível compreensão da população sobre a necessidade da valorização dos profissionais da saúde e dos educadores, tanto social quanto financeiramente.

“Tudo isso talvez gere um novo código de ética social, temos que pensar, por exemplo que o barril de petróleo caiu a níveis muito baixos, isso pode mostrar uma tendência de rever nossos combustíveis ou até a mobilidade.”

Conheça quatro hábitos que podem mudar após a pandemia

  • Lavar as mãos com frequência, de preferência por 20 segundos

  • Andar sempre com álcool gel em mãos

  • Não compartilhar copos e talheres

  • Usar máscaras caseiras em estações com maior incidência de doenças respiratórias, como outono e inverno

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.