Descrição de chapéu Coronavírus

Deputados entram em hospital da Covid-19 em Vitória após fala de Bolsonaro

Procuradoria Geral do Estado move representação criminal contra os parlamentares

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Vitória e São Paulo

Um dia depois de o presidente Jair Bolsonaro estimular a população a invadir hospitais para filmar oferta de leitos, cinco deputados estaduais do Espírito Santo entraram no Hospital Estadual Dório Silva, na região metropolitana de Vitória, e lá permaneceram por duas horas fazendo uma vistoria por conta própria na unidade para pacientes do novo coronavírus.

Nenhum dos parlamentares é médico nem compõe a Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa. Eles são filiados aos partidos PSL, PSDB, Republicanos e Avante. A Procuradoria Geral do Estado entrou com uma representação criminal contra os parlamentares.

Em vídeos ao vivo nas redes sociais, Bolsonaro disse que "[se] tem hospital de campanha perto de você, hospital público, arranja uma maneira de entrar e filmar." A visita em Vitória ocorreu na sexta-feira (12), no dia seguinte à live do presidente. Lorenzo Pazolini (Republicanos), Torino Marques (PSL), Vandinho Leite (PSDB), Danilo Bahiense (PSL) e Carlos Von (Avante) permaneceram por cerca de duas horas na unidade.

Os deputados disseram que a visita foi motivada por denúncias e que lá constataram superlotação, que os colaboradores não receberam EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) adequados para o trabalho e que falta medicação adequada à sedação de pacientes.

O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), chamou o ato de invasão e disse que eles acessaram o hospital sem os aparatos de proteção necessários. O secretário de Estado da Saúde, Nésio Fernandes (PCdoB), disse que o comportamento dos deputados é "radical, xiita e de baixo perfil".

"Visita em feriado, no meio de uma pandemia, no contexto de uma convocatória nacional de Bolsonaro? Como traduzir esse comportamento dos deputados, entrando num hospital, gravando, filmando, interrogando trabalhadores? Sem articular com a pasta. Isso se traduz em quê?".

Em comunicado oficial, a pasta da saúde afirmou que "a atitude intempestiva dos invasores colocou em risco pacientes e servidores". Nésio Fernandes disse que sua pasta divulga diariamente a ocupação de leitos hospitalares. "Não há segredo sobre leitos, tanto infantis quanto adultos. Divulgamos casos de hospitais em que há ocupação de 100% de leitos. Eles querem denunciar o que é público?".

Ele negou que faltem EPIs. "É uma falácia. Sobre os sedativos, há uma falta no mercado, tanto para a rede privada e pública. Quando faltam alguns itens, usamos medicamentos semelhantes de segunda ou terceira opção. Mas os pacientes não ficam sem tratamento", rebateu o secretário.

O governo estadual, por meio da Procuradoria Geral do Estado (PGE), entrou com uma representação criminal contra os parlamentares. Em notícia-crime endereçada ao Ministério Público Estadual, disse que "há sérios indícios" de que os deputados infringiram o artigo 268 do Código Penal, que versa sobre "infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa". Há previsão de detenção de até um ano.

A representação criminal cita ainda "a conduta inconsequente e irresponsável do Presidente da República". O MP-ES não forneceu detalhes sobre o andamento da notícia-crime, mas o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu que Ministérios Públicos Estaduais abram investigações sobre casos como esse.

À reportagem, os deputados Lorenzo Pazolini, Torino Marques e Carlos Von disseram que o governo utilizou o termo invasão de forma criminosa e violenta contra eles. "Chegamos na recepção, nos identificamos como deputados e falamos que estávamos lá para vistoriar. Os atendentes foram muito solícitos e franquearam nossa entrada", relatou Marques. Pazolini emendou: "Se invadimos, porque os vigilantes não acionaram a Polícia Militar?".

Os deputados alegaram que usaram sim, equipamentos de proteção, inclusive, segundo eles, melhores do que os utilizados pelos profissionais do Hospital Dório Silva. E entregaram ao jornal uma conversa de WhatsApp em que combinam, numa quarta-feira (a fala de Bolsonaro aconteceu numa quinta) a ida ao Dório Silva. A imagem, no entanto, esconde o nome dos interlocutores e não mostra de forma clara a data exata do diálogo.

Danilo Bahiense também disse ter utilizado EPIs e "todas as medidas de assepsia orientadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS)". Segundo nota enviada por sua assessoria, Bahiense tem, ao longo de seu mandato, "realizado fiscalizações, direito e dever do político garantidos por lei, não só em hospitais, como também em delegacias da Polícia Civil, batalhões da Polícia Militar e unidades prisionais, prezando por melhores condições e com produção de relatórios com sugestões de soluções".

Bahiense afirmou ainda que o episódio não foi uma invasão, "havendo um pronto recebimento dos valorosos servidores e sendo calcada conforme as atribuições garantidas por lei aos deputados, que são as das fiscalizações".

O quinto parlamentar, Vandinho Leite, não atendeu às ligações da Folha.

A notícia-crime da PGE cita o também deputado estadual Capitão Assunção (PSL). Ele não falou com a Folha, mas seus colegas de plenário disseram que ele foi até o hospital, porém não entrou. Procurada sobre a citação do deputado na denúncia, a PGE disse que utilizou "informações coletadas na imprensa" e que "a participação efetiva de cada um deverá ser, agora, apurada pelo MP-ES".

Em São Paulo, houve episódio semelhante. Os deputados Adriana Borgo (Pros), Marcio Nakashima (PDT), Leticia Aguiar (PSL), Coronel Telhada (PP) e Sargento Neri (Avante) forçaram a entrada no hospital de campanha do Anhembi, inclusive em áreas com alto risco de contaminação, no dia 4 de junho. Dizendo que fariam uma vistoria, eles criticaram o governador João Doria (PSDB) e afirmaram que o governo paulista mente sobre o número de casos e mortes no estado.

Em vídeos divulgados em suas redes sociais, Nakashima afirma que encontrou leitos vazios, alguns sem respiradores. Também em vídeo, Adriana Borgo disse que "não tem doente porcaria nenhuma" no hospital de campanha.

A gestão Bruno Covas (PSDB) disse que os parlamentares filmaram as alas do hospital que ainda não foram ativadas, mas que estão prontas para serem colocadas em funcionamento caso necessário. "Invadiram de maneira desrespeitosa, agredindo pacientes e funcionários verbal e moralmente", disse a prefeitura.

No Distrito Federal, o procurador-geral da República solicitou ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios que apure criminalmente episódio ocorrido no dia 9 de junho, quando o ex-candidato a deputado distrital Tacio Rogério fez uma live em frente ao Hospital Regional de Ceilândia. No vídeo, ele reclama do atendimento prioritário a pacientes com o novo coronavírus e se exalta com uma profissional. Ele, que é apoiador do presidente Jair Bolsonaro, diz: “Sua louca, sua doente”.

No Rio de Janeiro, a direção do Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, na zona norte da capital, negou que tenha havido uma invasão à unidade, notícia que circulou na internet. Mas disse que, por lá, ocorreu um tumulto causado por cinco pessoas de uma mesma família que, "desesperadas ao receberem a notícia da morte de uma parente internada no local, entraram alteradas na unidade, quebraram uma placa de sinalização e bateram uma porta, causando danos".

Segundo a direção, "vigilantes, guardas municipais de uma viatura que fica baseada no hospital e integrantes da equipe assistencial ajudaram a contornar a situação. Uma das pessoas da família, uma mulher, precisou ser medicada para se acalmar".

Ainda segundo comunicado, é mentirosa a notícia de que uma paciente idosa teria morrido em função da confusão.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.