Ibirapuera será entregue à gestão privada com marquise interditada e sem plano

Prefeitura não tem fundos para reparos e quer repassar responsabilidade para concessionária

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São Paulo

Parcialmente fechada desde 5 de fevereiro de 2019, a marquise do parque Ibirapuera encontra-se cercada pelas faixas que interditam ao menos 15 pontos de seus 22.508 m² e por um impasse administrativo.

E talvez, em breve, também por uma melancólica tela.

Envelopar a marquise é a solução apresentada no momento pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA), ainda responsável pelo parque, a fim de evitar que —quando o controle da pandemia permita reabrir os espaços públicos— o forro envelhecido despenque sobre passantes, patinadores, skatistas e vendedores que, em tempos normais, povoam o espaço sob a serpenteante cobertura.

Em menos de um mês a gestão do Ibirapuera passará a ser da Urbia —empresa estabelecida para administrar os seis parques municipais concedidos por 35 anos pela gestão Covas à Construcap.

Os documentos da concessão estabelecem que o concessionário faça reparos e melhorias, mas não reformas estruturais na marquise.

No entanto, a Urbia receberá a estrutura sem condições de uso. A SVMA não fez e não fará os reparos emergenciais que, em 2019, identificou como necessários para liberar o espaço.

A questão não é trivial, não só pela extensão e custos envolvidos mas também pela importância da marquise.

A estrutura foi concebida por Oscar Niemeyer para ligar os pavilhões projetados pelo arquiteto para a exposição do Quarto Centenário, em 1954. O parque, com seu complexo cultural, foi o principal presente que a cidade ganhou.

Além de prover um passeio coberto, ela é, como disse o crítico Yves Bruand em seu “Arquitetura Contemporânea no Brasil” (1981), o “verdadeiro traço de união” do conjunto criado por Niemeyer, fazendo com que os diferentes edifícios sejam vistos como um todo harmônico.

Vista aérea do parque Ibirapuera, com a marquise ao centro
Vista aérea do parque Ibirapuera, com a marquise ao centro - Lalo de Almeida - 23.abr.96/Folhapress

A despeito disso, ao longo de sua história, foi tratada como espaço fragmentado —disputas ocorreram quanto a sua ocupação pelo Museu de Arte Moderna e pelo restaurante The Green.

A região do restaurante é das mais prejudicadas atualmente. A impermeabilização da laje sobre os dois edifícios, que não pertencem à municipalidade, é responsabilidade de seus ocupantes. O The Green está desativado há cinco anos.

No começo de 2019, a SVMA identificou que era preciso fazer a troca de todo o forro da estrutura, que corria risco de despencar.

A proposta teve anuência do escritório técnico que reúne as três instâncias do patrimônio —o municipal Conpresp, o estadual Condephaat e o federal Iphan--, que protegem o conjunto.

Em 4 de fevereiro, o Conpresp deu seu aval às interdições e às obras. No dia seguinte, foram feitas as interdições. E nada mais ocorreu.

O custo dessa reforma emergencial foi estimado em R$ 1 milhão, recursos de que a SVMA não dispunha na época e tampouco tem hoje. Há um ano, a pasta afirmou à Folha que os buscaria junto a fundos municipais para essas obras, que, no entanto, não sanavam todo o problema.

Segundo a SVMA, é necessário fazer um restauro da marquise. Entre 2010 e 2012, a cobertura passou por uma obra de R$ 15 milhões.

Esses recursos emergenciais não foram obtidos e agora os fundos que poderiam ser acionados estão destinados ao combate à Covid-19.

Questionada pela reportagem sobre que medidas tomou para realizar a obra, a SVMA disse, em nota, que “continua com as ações junto aos fundos municipais para buscar os recursos necessários para obras estruturais no local”.

Porém, em reunião extraordinária do conselho gestor do parque na segunda-feira (22), Tamires de Oliveira, coordenadora de gestão dos parques e biodiversidade na SVMA, expôs a hipótese da tela como uma solução provisória, enquanto não se discute um aditamento ao contrato de concessão para que a responsabilidade por recuperar a marquise passe a ser da Urbia.

Durante a reunião, conselheiros questionaram a representante da SVMA, sem obter resposta clara, sobre por que o contrato —assinado em dezembro de 2019, com os problemas da marquise já detectados— não incluiu a reforma da estrutura entre os encargos da Urbia.

A Folha apurou que essa possibilidade foi aventada durante o processo e que a Urbia manifestou interesse em assumir o restauro. A falta de um projeto que permitisse dimensionar os custos impediu que esse ajuste fosse incorporado ao contrato.

Não se sabe se a empresa estaria disposta ainda a assumir o restauro completo, que pode custar até R$ 15 milhões. Isso porque, como disse na reunião do dia 22 o diretor comercial da Urbia, Samuel Lloyd, a pandemia frustrou as possibilidades de receita, uma vez que os parques da cidade estão fechados.

Questionado pela Folha sobre os planos que a Urbia tem para a marquise, Lloyd respondeu com cifras.

“Nos próximos três anos [a Urbia] vai investir mais de R$ 100 milhões na qualificação e aumento das áreas verdes, na reforma e restauração do patrimônio histórico e na melhoria da infraestrutura e serviços dos parques à população.”

Contudo, embora reconheça a marquise como “um importante equipamento do parque, tombada pelo patrimônio histórico e que cumpre funções arquitetônicas e de ligação entre os equipamentos culturais”, Lloyd não acenou com um compromisso.

“O contrato de concessão aloca ao poder concedente [a prefeitura] a reforma estrutural da marquise, para que, então, a Urbia possa fazer as intervenções previstas.”

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