Jovens do interior de SP criam #prazervagabunda para enfrentar machismo

Depois de ameaça, quatro amigas de Tatuí dão origem a movimento de empoderamento feminino

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São Paulo e São Paulo

Nas últimas semanas, espalharam-se na internet postagens com a #exposed, em um movimento para denunciar casos de assédio e abuso, envolvendo inclusive celebridades. Pois foi em uma cidade de apenas 120 mil habitantes que o movimento parece ter nascido, antes de se disseminar pelo Brasil.

Em Tatuí, no interior paulista, a noite de 3 de junho foi movimentada. Havia alguns dias que uma página no Twitter ajudava garotas que queriam expor, de maneira anônima, suas histórias de violência sexual. Nela, uma promessa pôs a população em alerta: às 20h, uma lista reuniria o nome de todos os agressores locais.

A lista nunca apareceu. No lugar, surgiu uma página no Facebook com a mesma proposta, e apenas uma minúscula divergência: um “s” no lugar do “x”, soletrando a palavra inglesa “exposed” de maneira errada.

Foi a chave para um grupo de meninas suspeitar que havia algo estranho. Aquele perfil, que a exemplo do que o xará no Twitter vinha fazendo recebia denúncias das moradoras de Tatuí, deu a pista, por um erro de ortografia, de que talvez não fosse movido a boas intenções.

“Foi quando vazaram áudios e prints de um menino de Tatuí falando que todas as meninas que estavam postando os exposeds e que sofreram abusos são ‘vagabundas’ e estariam ‘inventando tudo’”, lembra Ananda* (os nomes das jovens foram trocados para protegê-las).

Por telefone, ela e três amigas criaram, então, uma hashtag. “Queríamos mostrar para outras meninas que estão sofrendo que elas não estão sozinhas”, diz Luana. “Usamos o que o menino falou no áudio e juntamos um ‘prazer’. Se expor as coisas é ser vagabunda, então somos vagabundas com muito orgulho”, afirma Ananda.

Nasceu a #prazervagabunda. Em questão de horas, o termo viralizou no Twitter e se tornou um movimento nacional de empoderamento feminino. “Fiquei assustada com a proporção que tomou e com o nível de alguns comentários ruins”, conta Flora.

“Tive medo principalmente de ser julgada pelas pessoas que me seguem e não estavam entendendo exatamente o que estava acontecendo”, revela Ísis. “E, desde o começo, sabíamos que ia ter pessoas que não concordavam com o nosso posicionamento e até nos xingariam pelas costas e pelas redes sociais, através de comentários nojentos.”

As meninas foram dormir e, no dia seguinte, 4 de junho, a hashtag estava entre os trending topics. “O fato de ‘assumirem’ esse título pejorativo mostra que não se incomodam e não pretendem fazer nenhuma mudança”, explica a psiquiatra Danielle Admoni, psiquiatra, especialista pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).

“Ou seja, ‘se me vê como vagabunda, visto a camisa e continuo sendo quem sou, porque não me incomodo com sua opinião’. Isso, do ponto de vista psíquico, é positivo, pois mostra uma capacidade de dar a volta por cima e se impor como uma pessoa livre para fazer suas escolhas.”

Quando perguntadas sobre se considerarem feministas, todas assentem de imediato. Mas, também em uníssono, acham que, mesmo com conquistas como esta, da disseminação da hashtag, ainda há um longo caminho a percorrer até a igualdade entre os gêneros.

“Infelizmente ainda há muitas mulheres, mais velhas principalmente, que acham o feminismo um absurdo. Tenho vários exemplos, como avós e mães de amigas próximas, que não apoiam de maneira nenhuma. Mas nessa nova geração estamos crescendo mais unidas e lutando pelos nossos direitos juntas”, acredita Luana.

“Evidente que essa exposição toda pode não ser tão benéfica nessa idade, mas vejo a resposta delas como algo bastante resiliente do ponto de vista psíquico”, continua Danielle Admoni.

“Em geral, as vítimas se retraem, se calam. Essas mulheres encontraram uma solução para a situação de agressão virtual que estavam sofrendo, e conseguiram reverter a questão, se unindo e devolvendo as ofensas aos agressores. Saíram do papel de vítimas para o de mulheres que têm domínio de suas próprias vidas.”

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