Descrição de chapéu Coronavírus

Moradores de bairros atingidos pelas enchentes na zona leste se organizam contra Covid-19

Após prejuízo por alagamentos, feira para doação de alimentos é criada em São Miguel Paulista

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Weslley Galzo
São Paulo | Agência Mural

O ano de Estevan Felipe Souza, 33, não tem sido fácil. Morador da Vila Itaim, na zona leste de São Paulo, o vendedor ambulante perdeu boa parte dos móveis que tinha em casa por conta das chuvas no começo do ano.

Quando começava a se recuperar do prejuízo, a família de Souza foi novamente abalada, dessa vez por causa da pandemia de Covid-19. Dois familiares, um tio e um primo, morreram vítimas da doença.

“Não foi só eu, tem muitas famílias que perderam tudo e até hoje não conseguiram se recuperar porque surgiu essa pandemia. Não tem horizonte para sair disso. Não estamos vivendo, estamos sobrevivendo, por causa desse vírus”, conta Estevan.

Fila da Feira da Amizade organizada em frente ao Bar do Junior  (Weslley Galzo/Agência Mural)
Fila da Feira da Amizade organizada em frente ao Bar do Junior - Weslley Galzo/Agência Mural

Pai de seis filhos, Estevan vendia produtos nos trens e metrôs de São Paulo e parou de trabalhar por conta da pandemia, com receio dos riscos de pegar o vírus.

Apesar de não ter trabalho formal, ele teve o auxílio emergencial do governo federal negado duas vezes. A família sobrevive com o benefício do Bolsa Família e o auxílio recebidos pela esposa, além das doações dos vizinhos.

“Meus filhos estão dormindo em dois colchões que meu sogro arrumou, porque a beliche foi embora.”

Nas últimas semanas, ele estava na fila da Feira da Amizade, uma ação organizada por moradores da zona leste de São Paulo, que tem buscado apoiar, com alimentos e materiais de higiene, a população da região.

Um dos organizadores é o padeiro Eriosvaldo Silva, 58, que também é líder comunitário da região e esteve à frente das reivindicações durante o período crítico das chuvas.

Um dos locais da feira é o antigo Bar do Júnior, estabelecimento que também foi atingido pelas enchentes em fevereiro  (Weslley Galzo/Agência Mural)
Um dos locais da feira é o antigo Bar do Júnior, estabelecimento que também foi atingido pelas enchentes em fevereiro - Weslley Galzo/Agência Mural

“Durante a enchente, tive que fazer um rebuliço no nosso bairro para vir a Defesa Civil”, conta.

“Tudo que é bom a gente soma. O Eriosvaldo trabalha na área da confeitaria, então ele costuma trazer cerca de 500 pãezinhos pra gente doar. A pessoa além de vir pegar as frutas e os legumes já sai com o pão para o café do manhã”, conta Anderson dos Anjos Oliveira, 40, que criou a Feira da Amizade há dois anos.

Antes da pandemia, eram dez famílias cadastradas, mas nos últimos três meses, por conta do novo coronavírus, houve um aumento expressivo no número de cadastros. Hoje são 520 famílias, segundo suas estimativas.

A inscrição é feita por meio de grupos no WhatsApp nos quais são passadas orientações sobre o local de realização da feira e os procedimentos de organização.

“Minha preocupação maior em relação à feira é organização para que não haja aglomeração. A gente se preocupa muito com essa questão da saúde. Família com idosos nós levamos a feira na casa, para que evitem sair”, ressalta.

Anderson é morador do Jardim Romano há 20 anos. Além do bairro, a ação tem chegado a Vila Itaim, Vila Mara, Vila Noemia, Jardim Robru e até Guaianases.

Desde o início da pandemia a feira ocorre em dois lugares fixos: no CEU Três Pontes, no Jardim Romano, e no Bar do Junior, estabelecimento de José Junior, 32, morador da Vila Itaim, que também teve perdas nos alagamentos.

Com as chuvas, nenhum produto do estoque do bar ou equipamento de trabalho foi salvo. O local que hoje serve de ponto para distribuição de alimentos foi utilizado para deixar dois barcos utilizados no transporte de moradores ilhados na época.

Sem poder trabalhar, Junior passava o dia conduzindo a embarcação para remover idosos das áreas em que a água subiu mais de um metro.

Eriosvaldo Silva e José Júnior em frente ao bar onde ocorre a distribuição dos alimentos (Weslley Galzo/Agência Mural)
Eriosvaldo Silva e José Júnior em frente ao bar onde ocorre a distribuição dos alimentos - Weslley Galzo/Agência Mural

A quarentena fez com que ele fechasse de vez o estabelecimento. “Tem gente que está com mais dificuldade do que eu. Se você não consegue ajudar financeiramente, você colabora: descarrega um caminhão, organiza uma fila, empresta um material, em alguma coisa você está ajudando”, explica.

Covid-19

Eriosvaldo conta que os médicos da UBS Vila Itaim também se engajaram na rede de solidariedade e contribuem com doações de dinheiro para a compra de alimentos.

O líder comunitário afirma que a equipe médica que atende o posto de saúde é uma aliada importante na luta contra a Covid-19 e no apoio às famílias do bairro, mesmo sobrecarregados durante a pandemia.

Apesar da dedicação dos profissionais da região, a precariedade do bairro e a falta de apoio tornam o trabalho difícil, com cada vez mais vítimas. “Aqui é um bairro abandonado pela prefeitura”, diz Anderson.

A Subprefeitura de São Miguel teve o subprefeito exonerado durante a pandemia.

“Eu tinha contato com o antigo subprefeito e na medida do possível ele até ajudava. Hoje, eu não tenho contato”, conta Anderson.

Ele afirma ter feito contato com o chefe de gabinete da subprefeitura, que prometeu deslocar equipes para o bairro, mas não mais retornou contatos.

Em nota, a Subprefeitura afirma ter realizado ações de apoio às famílias logo após a enchente “com o devido acompanhamento da área de saúde, distribuição de insumos como produtos de higiene e limpeza e cloro para higienizações diversas”.

Em relação ao novo coronavírus, a gestão disse que ter esterilizado os bairros entre os dias 1º e 4 de junho. Também diz manter contato constante com as lideranças comunitárias em reuniões online.

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