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Nas periferias de SP, mães voltam ao trabalho sem ter com quem deixar filhos

Decreto municipal prevê apoio, que não tem sido visto em bairros da capital

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Lucas Veloso
São Paulo | Agência Mural

Em Itaquera, na zona leste de São Paulo, a vendedora de calçados Anelice dos Anjos, 44, mãe de Gustavo, 5, Estefani, 8, e Eduarda, 11, não sabe como fará nos próximos dias para deixar os filhos em segurança.

Enquanto trabalhava antes da pandemia da Covid-19, o garoto ficava em uma creche, enquanto as filhas iam para uma escola municipal.

Nas últimas semanas, ela conseguiu ficar em casa, por conta do fechamento da loja de sapatos em que trabalha, na região central da cidade. Mas na última semana recebeu uma mensagem do retorno ao emprego.

Geisa Reis Oliveira, 32, dona de mercearia se reveza entre o comércio e os cuidados com o filho
Geisa Reis Oliveira, 32, dona de mercearia se reveza entre o comércio e os cuidados com o filho - Léu Britto/Agência Mural

Uma das alternativas pensadas foi deixar com alguma vizinha, mas isso comprometeria parte da renda mensal. "Posso até pagar alguém para ficar com eles, mas e o dinheiro para isso?", diz. "Se tiro uma parte para pagar uma vizinha, por exemplo, vai faltar para comprar alimentos ou pagar uma conta. A gente vive assim, por um fio."

A situação de Anelice é uma das realidades enfrentadas na rotina de famílias das periferias de São Paulo, e que por enquanto não tem solução, desde a retomada de atividades econômicas.

Enquanto a flexibilização nas medidas de isolamento na cidade promoveu o retorno ao trabalho, pais e mães não têm com quem deixar os filhos que, por enquanto, não têm previsão para retornar para as creches e escolas. Aulas, apenas virtualmente.

Em 29 de maio, o prefeito Bruno Covas (PSDB) assinou o decreto municipal de n° 59.473, que autorizava a volta dos comércios com alguns requisitos. Entre eles, o de que os empregadores deveriam pensar em um esquema de apoio para colaboradores que não tenham quem cuide de seus dependentes incapazes no período em que estiverem fechadas as creches, escolas e abrigos. O trecho destaca as mães trabalhadoras.

Questionada sobre a fiscalização, a Prefeitura de São Paulo não respondeu como acompanhou a adoção da medida.

Anelice disse que chegou a comentar a preocupação com o patrão, mas não teve uma resposta positiva. "Ele disse que estava preocupado com a loja dele e que eu deveria dar um jeito nisso."

Com as escolas dos filhos fechadas, ela diz que o comércio não deveria poder abrir sem uma alternativa para as mães. "Posso sair e deixar meus filhos descuidados sem ninguém para olhar, ou fico em casa e perco o trabalho", observa. "Qual a opção que o prefeito dá pra gente?", questiona.

Uma pesquisa do Data Favela e do Instituto Locomotiva, divulgada em abril, mostrou que 9 em cada 10 mães mudaram as rotinas devido à Covid-19.

No quesito financeiro, 84% tiveram a renda diminuída, 87% estavam cortando gastos e 73% declararam que não conseguiriam manter o padrão de vida se perdessem a renda familiar.

Para muitas, o jeito foi seguir no trabalho. A autônoma Geisa Reis Oliveira, 32, moradora do Jardim Ibirapuera, no distrito do Jardim São Luís, na zona sul de São Paulo, não parou de trabalhar.

Dona de uma mercearia na região, não tem com quem deixar o filho Lucas, 9, desde o início da pandemia. “Estou tentando ajudar e dar conta, mas é difícil. É sempre pior para a mãe.”

Um dos desafios foi conciliar o trabalho com a rotina de estudos do filho. Ela tenta explicar as lições e ser professora ao mesmo tempo que é dona de casa e trabalha fora.

Nas últimas semanas, diz ter recebido dezenas de atividades da escola municipal em que o filho estuda, como arquivos para impressão e lições online, mas que teve dificuldades para auxiliar Lucas. “Tem dias que parece que vou surtar. Meu filho em casa sem escola e eu tendo que trabalhar.”

Situação complicada também tem vivido a Bruna de Oliveira Fernandes, 20, mãe de Sophia, 2. Ela trabalha como atendente em uma farmácia, no Jardim Clímax, na zona sul. Não parou de trabalhar, mas teve o horário reduzido com a pandemia.

Conseguir uma pessoa para cuidar da filha foi uma das principais dificuldades. “Eu e o meu ex-marido não paramos de trabalhar e nossos familiares moram distante”, pontua. Para Bruna, além da questão financeira, a confiança em deixar a filha com uma pessoa desconhecida foi outro desafio, tendo em vista o fechamento das creches municipais.

O retorno das atividades na cidade ainda depende do chamado Plano SP, que determina as etapas de reabertura.

Na semana passada, o governador João Doria (PSDB) afirmou que no dia 24 de junho trataria de uma previsão sobre o tema. O estado tem definido as etapas da retomada com base no número de leitos de hospital disponível e do número de casos.

No caso das unidades escolares, o receio é que o retorno possa potencializar o contágio da Covid-19.

Para Bruna, a situação enfrentada pelos responsáveis por crianças é contraditória. Ela questiona por que estabelecimentos podem voltar com materiais de higiene e proteção, como máscaras, e escolas não. “Nós, pais, estamos tendo que retomar ao trabalho, por que não as creches e escolas retomarem também?”, questiona.

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