Descrição de chapéu Coronavírus

Pressão de militares após recordes de mortes levou a mudança em dados

Site com informações do coronavírus ficou fora do ar e alterações geraram repercussão negativa

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Brasília

A mudança brusca no formato dos boletins do novo coronavírus, feita na sexta-feira (5), partiu da cúpula militar à frente do Ministério da Saúde. A intenção foi pressionar técnicos a entregar uma plataforma com destaque para números menos impactantes.

A pressa se deu após uma sucessão de recordes no número de mortes pela Covid-19 na semana passada. Na quarta-feira (3), foram 1.349 notificações de óbitos e, na quinta (4), 1.473 quando o país passou de uma morte por minuto.

Os boletins começaram a ser divulgados por volta das 22 horas. O site com as informações chegou a ficar fora do ar.

Écio Franco, secretário-executivo do Ministério da Saúde, e Eduardo Macário, secretário substituto de Vigilância em Saúde
Écio Franco, secretário-executivo do Ministério da Saúde, e Eduardo Macário, secretário substituto de Vigilância em Saúde - Anderson Riedel/Divulgação Presidência

Após a repercussão negativa, com reação de Congresso, Judiciário e opinião pública, o governo Jair Bolsonaro recuou nesta segunda-feira (8). A pasta decidiu manter os números acumulados de mortes e casos confirmados.

O objetivo dos fardados era acelerar a conclusão de uma nova plataforma de divulgação dos dados, que ainda estava em produção. De acordo com relatos feitos à Folha, uma proposta foi apresentada há cerca de 20 dias.

O ministro interino, Eduardo Pazuello, gostou particularmente da ideia de destacar somente os números de mortes ocorridas nas últimas 24 horas e que tiveram a confirmação de infecção pelo novo coronavírus.

Desde o início da pandemia, usa-se o modelo que tem como base a data de notificação "“ou seja, pode incluir um óbito ocorrido há um mês, por exemplo. Um terço das mortes ocorre nos últimos três dias.

Os técnicos da Saúde não eram contrários à mudança de modelo. Porém, defendiam que os demais dados continuassem disponíveis para consulta por especialistas, imprensa e a sociedade em geral.

Os militares, a princípio, concordaram, mas enfatizam que o novo modelo precisa se tornar a base da discussão na sociedade. Como os técnicos não avançaram com a criação da plataforma, a pressão da cúpula militar aumentou.

Na quarta, por exemplo, a pasta argumentou haver problemas técnicos para justificar a publicação às 22h. Nesse horário, as edições dos principais jornais já estão fechadas e telejornais já foram ao ar.

Veio então a ordem para retirar informações do boletim do dia seguinte, também divulgado tarde da noite.

A mudança mais impactante foi a exclusão do total de casos confirmados e de mortes registrados desde o início da pandemia. Também não estava presente o número de casos em observação.

Bolsonaro não confirmou que era sua a ordem de adiar o boletim, mas disse que, com a mudança de horário, "acabou matéria no Jornal Nacional", em referência ao telejornal da Rede Globo.

Para justificar o adiamento, o presidente afirmou que os dados sairiam "mais consolidados" às 22h. Em seguida, Bolsonaro citou novamente o telejornal e disse que o governo "não tem que correr para atender a Globo".

O Palácio do Planalto já vinha pressionando o ministério a minimizar dados negativos. Prova disso foi que, gradualmente, desde a gestão de Nelson Teich o boletim diário passou a destacar dados de recuperados e entrevistas coletivas diárias foram diminuídas.

A Secom (Secretaria de Comunicação Social) criou o "Placar da Vida", que é divulgado diariamente nas redes sociais da Presidência. Nele, são omitidas mortes e é destacado o número de recuperados.

Nas entrevistas no Planalto, há dois meses, ministros vêm criticando a imprensa pela divulgação de imagens de caixões e de dados sobre aumento de óbitos pela doença. O argumento é que isso causa desespero na população.

A mudança na divulgação de dados e a retirada do ar dos dados negativos sobre a pandemia geraram repercussão negativa, tanto no Brasil quanto no exterior.

A universidade americana Johns Hopkins, referência mundial nas estatísticas da Covid-19, chegou a excluir dados referentes ao Brasil. Houve reação por parte de especialistas, políticos e da Justiça.

As críticas levaram os servidores da Saúde a concluir em menos de três dias a nova plataforma, apresentada nesta segunda.

Em entrevista no Planalto, sem Pazuello, a pasta confirmou que vai promover mudança na divulgação, dando destaque para dados efetivamente registrados nas últimas 24 horas.

O governo também recuou na prática de divulgar os dados apenas às 22h. A pasta agora disse que pretende divulgar os novos dados referentes à Covid às 18 horas.

Os secretários da pasta afirmam que chegaram a acordo com os estados, que vão fornecer as informações até às 16h, possibilitando que elas sejam analisadas e contabilizadas.

O novo formato estará disponível em uma plataforma interativa na internet.

O secretário-executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, afirmou que a plataforma poderá estar disponível a partir desta terça-feira (9).

"A gente vinha trabalhando com data de notificação, mas a data de notificação ela prejudica uma análise, precisa fazer trabalho estatístico e ela prejudica uma análise. A nossa intenção e estamos perseguindo este objetivo é trabalharmos com a data de ocorrência", afirmou.

Nesta terça-feira (9), haverá uma reunião do ministério com os secretários de Saúde estaduais para discutir os últimos detalhes para o lançamento da plataforma.

O secretário-executivo --que é coronel do Exército-- defendeu o novo modelo, afirmando que oferece dados mais completos para a análise do momento atual vivido pelo país.

O secretário afirma que as novas informações vão indicar aos gestores "como proceder e como o gestor, usando a ferramenta pode proceder em relação aos seus municípios", afirmou.

Em entrevista concedida à emissora CNN Brasil, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), criticou a falta de transparência do governo na divulgação dos dados do novo coronavírus.

A mudança de metodologia e os atrasos levaram veículos de comunicação a se unirem para buscar as informações necessárias nos 26 estados e no Distrito Federal.

"Nós não podemos achar normal, num momento como esse, outros órgãos que devam ou precisem cumprir o papel que é do governo federal", afirmou.

Maia disse esperar que o governo reveja a decisão até esta terça-feira (9). Caso contrário, Congresso, imprensa e órgãos públicos serão "obrigados a construir um mecanismo para dar publicidade aos números e garantir a transparência que é tão importante neste momento".

Na entrevista, Maia informou que Pazuello disse que participaria, nesta terça, da reunião da comissão externa de ações contra o coronavírus.

O deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) entrou com uma notícia-crime no STF (Supremo Tribunal Federal) contra Pazuello, por prevaricação, improbidade administrativa, por retardar o fornecimento de informações e por as ter fornecido, argumenta, de forma incorreta ou imprecisa.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), confirmou que a comissão mista que acompanha ações de combate ao coronavírus vai trabalhar agora com os números fornecidos pelas secretarias estaduais de saúde.

Os dados serão tabulados e divulgados pelo Congresso, mas sem data definida ainda. "É papel do parlamento buscar a transparência em um momento tão difícil para todos", afirmou Alcolumbre.

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