Ação da PM em favela de SP termina com jovem ferido e garoto cadeirante mordido, dizem moradores

Membros da OAB afirmam que policiais não mostraram mandados; Secretaria diz que policiais foram feridos

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São Paulo

Uma operação da Polícia Militar na Favela do Moinho nesta quinta-feira (2) terminou com um garoto cadeirante mordido por um cão e um jovem encaminhado à Santa Casa, de acordo com moradores do local.

Membros da Comissão de Direitos Humanos também afirmaram à Folha que os policiais da operação se recusaram a apresentar mandados que autorizassem a entrada nas casas dos moradores.

Segundo a mãe de um dos jovens, de 18 anos, a polícia entrou em sua casa pela porta dos fundos e cortou a mão de seu filho, que correu para se jogar da varanda, dizendo que os agentes estavam tentando matá-lo lá dentro.

Carros da polícia nos arredores da favela do Moinho, no centro de São Paulo
Carros da polícia nos arredores da favela do Moinho, no centro de São Paulo - Arquivo pessoal

Outros três moradores, que estavam do lado de fora e pediram pra ter a identidade preservada, confirmaram o relato. Ele foi levado por familiares ao posto de atendimento mais próximo.

A Secretaria de Segurança Pública afirmou que a operação no local teve o intuito de apreender drogas e armas.

"Durante o patrulhamento, um dos cães farejadores apontou a presença de drogas em uma residência. Os policiais se preparavam para a abordagem, quando um homem fugiu do imóvel. Na sequência, moradores da comunidade passaram a hostilizar e confrontar os agentes, sendo necessária a utilização de técnicas de controle de multidões para cessar as agressões. Dois policiais foram atingidos por pedras e socorridos”, diz a nota do órgão.

Casa de onde um jovem de 18 se jogou, na Favela do Moinho
Casa de onde um jovem de 18 se jogou, na Favela do Moinho - Arquivo pessoal

Em um áudio, a mãe do cadeirante, de 10 anos, diz que o garoto estava sentado na porta de sua casa e que ele foi mordido pelo cachorro de um policial, que no momento respondeu que teria sido apenas um arranhão.

Ainda de acordo com este relato, o menino tem um pequeno distúrbio no cérebro e uma leve paralisia.

Luzia Cantal, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB, conversou com as duas mães e confirmou os relatos. Disse que entrou na casa do jovem de 18 anos após a operação policial e percebeu bastante sangue.

“Vi que aparentemente tinha alguém deitado num colchão, as gotas de sangue saiam deste colchão para o chão, de onde caminhavam para uma pequena varanda no primeiro andar, onde havia o que pareciam duas mãos pegando na madeira, para impulsionar o corpo para fora”, afirmou.

O jovem foi enviado à Santa Casa de São Paulo, que afirmou que "o paciente permanece internado, em estado estável e será operado".

Arnóbio Rocha, também membro da comissão, conta que durante a tarde começou a receber denúncias e se deslocou até o local. Ao chegar, junto com a colega, se deparou com policiais, que estariam sem identificação visível.

“Perguntei se eles tinham mandado de alguma coisa, 'não, porque não estamos invadindo casas' [responderam]. Mas um garoto que se acidentou estava dentro da casa dele, perguntei. 'Mas a porta tava aberta' [disseram os agentes]. Isso não significa que você pode entrar, né?”, questiona o advogado.

Luzia lembra ainda que nenhum dos policiais afirmou ter realizado qualquer apreensão de drogas ou efetuado prisões. Vídeos registrados por moradores mostram que os agentes estavam encapuzados e com armas grandes.

Morador mostra projétil usado pela PM na operação. Ao fundo, outro morador mostra as costas machucadas
Morador mostra projétil usado pela PM na operação. Ao fundo, outro morador mostra as costas machucadas - Arquivo pessoal

A deputada estadual Isa Penna (PSOL) enviou um ofício à Corregedoria da Polícia Militar e um requerimento ao Procurador Geral de Justiça de São Paulo solicitando a apuração dos fatos e acrescentando que os policiais teriam tentado evitar que o jovem de 18 anos fosse encaminhado ao hospital.

"Constatei que, enquanto o jovem era atendido, os policiais militares tentavam intimidar a vítima, impedindo o meu acesso a ele, desestimulando que o jovem conversasse comigo", escreve a deputada.

A Comissão de Direitos Humanos da OAB também deve enviar ofício solicitando que o caso seja investigado.

Rocha conta que, quando chegou, dezenas de pessoas se organizavam para protestar contra os policiais e que o ambiente era hostil. Junto com outros membros da OAB, tentaram intermediar um diálogo e resolver a situação.

Foi quando uma mãe apareceu com seu filho, cadeirante, afirmando que um cachorro da polícia o havia mordido.

“Uma moradora me disse: ‘Já perdemos tudo aqui, não tem mais o que perder, morrer nao vai fazer diferença”, para você entender o nível de revolta dos moradores com a polícia", conta.

"[O episódio] reflete a violência estrutural, o racismo estrutural, a falta de inteligência das operações policiais e põe em risco até o próprio policial. Hoje a gente correu muito risco pela situação. Direitos Humanos hoje tem se voltado a reduzir danos e de alguma forma salvamos algumas vidas [nesta quinta]”, concluiu.

Única favela no centro da cidade de São Paulo, a Moinho vive há anos sob ameaça de remoção.

Em 2017, por exemplo, o então prefeito da cidade e hoje governador do estado, João Doria (PSDB) declarou que iria eliminar a favela, supostamente para combater o tráfico de drogas.

A comunidade fica entre dois ramais de trens da CPTM, no bairro de Campos Elíseos. Cerca de 500 famílias moral no local.

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