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Escritórios juntam sapatos para ajudar engraxate na pandemia

Iniciativa no interior de São Paulo reuniu dezenas de pares de clientes e funcionários

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Presidente Prudente

Figura folclórica em Presidente Prudente (a 556 km de São Paulo), o engraxate José Carlos Garcia Nunes, 59, o Braminha, viu a pandemia do novo coronavírus tirar dele dois de seus maiores prazeres: reunir amigos para uma roda de samba e exercer a profissão a qual se dedica há 25 anos.

Antes mesmo da pandemia da Covid-19, o serviço já não parecia tão essencial, ele próprio diz: "o pessoal não tem mais hábito de engraxar sapatos, são poucos". Com a quarentena, os escritórios esvaziaram, os calçados sociais deram lugar aos chinelos no home-office, e, assim, os ganhos minguaram de vez.

Um engraxate lustra sapatos sentado em uma cadeira de escritório. À frente dele, estão pares de sapato enfileirados
José Carlos Garica Nunes, 59, o Braminha, engraxa sapatos reunidos por clientes e funcionários de escritórios em Presidente Prudente, no interior de São Paulo, como forma de ajuda-lo depois de empresas fecharem na pandemia - Leandro Pires/Arquivo Pessoal

Braminha passou, então, a vender doces em um semáforo à beira do Parque do Povo, área verde e de lazer em Presidente Prudente, para ajudar a esposa no orçamento familiar.

Sensibilizado, o contador Leandro Pires, 46, sócio de um escritório na cidade e já cliente do engraxate há 15 anos, ofereceu ajuda —Braminha, no entanto, ponderou que aceitaria desde que fosse em contrapartida aos seus serviços.

Ele decidiu, então, mobilizar amigos. No escritório do qual é sócio, convocou até os que estavam trabalhando de casa para que levassem de volta os calçados. Por lá, juntou 15 pares, engraxados a R$ 10 cada um por Braminha.

Lançou, ainda, uma corrente entre empresas para mantê-lo na ativa: a ideia é contratar os serviços do engraxate, divulgá-lo nas redes sociais e desafiar amigos para que deem sequência à iniciativa. A moda pegou.

Desde a metade de junho, o engraxate já lustrou cerca de 200 pares de sapatos —o dobro do que fazia em um mês pré-pandemia. No período, passou por seis empresas e pela sede local da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), além de ter visto aumentar o número de atendimentos particulares.

Pires diz que, agora, até quem não foi convocado pede para ser incluído na campanha, relato que o também contador Sergio Turuta, 54, que já aderiu à iniciativa em seu escritório, corrobora. "Amigos que, teoricamente, não foram desafiados disseram que pretendem convidar o Braminha, marcar um dia".

Enquanto aguarda novos chamados, o engraxate mantém a rotina de ir ele mesmo em busca de clientes, o seu modo. Longe dos escritórios, costuma ficar em frente às entradas de condomínios fechados no horário de almoço, com um banner pendurado no pescoço e apetrechos a punho, à espera de eventuais fregueses.

Antes da mobilização, ele havia visto a demanda a domicílio cair drasticamente. Braminha diz acreditar que seja pelo receio das pessoas em receber alguém dentro de casa durante a pandemia. Ele afirma não ter medo de ficar exposto, apesar de estar prestes a completar 60 anos e, assim, passar ao grupo de risco da Covid-19.

A crise de agora, segundo ele, é a pior pela qual passou desde que, em 1996, adotou o ofício, após não ter tido sucesso à frente de uma lanchonete. Antes, ainda trabalhou para uma cervejaria, que rendeu a ele, nascido José Carlos Garcia Nunes, o apelido pelo qual ficou reconhecido.

Apesar de achar que a profissão está à beira da extinção, diz que não pretende abandoná-la. Mesmo em 2007, quando concluiu um bacharelado em direito como bolsista e sem maiores pretensões financeiras, mas para "melhorar culturalmente", preferiu manter os trabalhos com graxa e escova.

Por ora, Braminha tem recorrido também ao auxílio emergencial do governo federal, mesmo que com restrições pessoais: "Ajuda muito, mas prefiro ganhar meu dinheiro engraxando sapatos". Para isso, os empresários mobilizados no desafio afirmam que pretendem manter a agenda dele cheia.

Se a procura diminuir, diz que voltará a vender bombons a R$ 2. "Vou continuar engraxando até morrer ou até quando tiver saúde. É o meu trabalho, meu ganha-pão."​

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