Pandemia de Covid-19 cancela festas de peão, adiadas para 2021

Parte da cultura local, maioria das festas de peão só deve voltar em 2021

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Ribeirão Preto

Há um ano a estrutura estava sendo montada, as lojas contabilizavam alta no movimento de moda country e os vendedores de sanduíches, bebidas e churros faziam os pedidos aos fornecedores. Agora, a realidade é completamente diferente.

No lugar onde os peões se concentravam antes das montarias, hoje não há nada, e na cidade que tinha expectativa de receber milhares de pessoas em quatro dias, o vazio toma conta. Sumiram o cheiro de poeira no ar e o barulho das potentes camionetes que chegavam para as festas de peão e dos alto-falantes das arenas.

Esse tem sido o cenário em pequenas localidades do interior de São Paulo em razão da pandemia do novo coronavírus, que levou as cidades a não realizarem os rodeios, que muitas vezes são o principal evento do calendário anual delas.

Algumas estão sendo adiadas, como Barretos, que está planejada para outubro. Na maioria dos casos, porém, as festas já foram canceladas neste ano, o que deixará milhares de pessoas sem renda com a atividade.

O salva-vidas Zika Bullfighter, 28, sabe bem o que é isso. Acostumado a não ter finais de semana livres entre março e agosto devido aos rodeios, agora está sem emprego nas arenas, o que o obrigou a trabalhar como motorista de caminhão e em serviços no campo em Morro Agudo, na região de Ribeirão Preto, onde mora.

“Fiz só dois eventos em fevereiro e março. Está sendo devastador para a gente. Tinha agenda lotada e essa época é o pico de eventos”, disse.

Sua função nas arenas é das mais difíceis: impedir que os peões, ao serem derrubados pelos touros, sejam pisoteados ou chifrados pelos animais. Já recebeu coice no rosto em Guaxupé, há quatro anos, e em Barretos, em 2019, desmaiou após ser atirado para o alto por um boi.

Salvar a vida dos peões rende a iniciantes cerca de R$ 800 por quatro dias de trabalho nas arenas. Quem já tem a experiência de mais de uma década, como Zika, consegue mais que o dobro. "É bem complicada essa vida e neste ano vai ser difícil ter alguma coisa. Ainda estou conseguindo me virar, mas nem todos conseguem.”

Os rodeios se concentram entre março e agosto, período historicamente menos chuvoso na região Sudeste. Mesmo num cenário otimista, com o controle da pandemia no segundo semestre, os organizadores não acreditam na realização dos eventos em 2020. Montarias em arenas enlameadas em dezembro, e com pouco público devido à chuva? Difícil imaginar que isso vá acontecer, argumentam. A maioria do setor mira 2021.

No recinto usado para exposições em Miguelópolis, tudo estava pronto para a edição deste ano da tradicional festa do peão, com show contratado da dupla Zezé di Camargo & Luciano.

O rodeio é o evento mais importante do ano para a cidade, ao lado da Festa de São Miguel Arcanjo, em setembro, já cancelada.

“As pessoas sobrevivem da festa, desde o vendedor de churros ao piloto do avião dos cantores”, disse Edvaldo Morais, vereador pelo PSDB em Guaíra e organizador do evento em Miguelópolis.

Vista aérea do recinto que abriga a Festa do Peão de Miguelópolis, cancelada em razão da pandemia do novo coronavírus - Divulgação

Os eventos empregam pessoas que trabalham como montadores, carregadores, produtores de som, DJ`s, iluminadores, cantores, músicos, peões e pequenos comerciantes. “Nesse cenário, quem é fraco vai sair de cena. Pedimos a Deus que saia uma vacina [contra Covid-19]”, disse Morais.

Para o prefeito de Miguelópolis, Naim Miguel Neto (PSDB), a cidade perde muito sem o rodeio. “[Mas] Agora não tem jeito, tem de cancelar mesmo [as festas].”

Eugênio José, comentarista e colunista de rodeio, conta que as festas nas pequenas cidades fazem com que o morador mais simples compre uma botina na loja agropecuária e que o mais rico busque uma bota importada numa loja country. Assim ambos movimentam a economia e se unem num evento que tem peso na cultura local.

“Comerciantes compram camarotes, envolvem a comunidade, ainda que isso não signifique retorno financeiro para ele. Não é como uma grande marca que expõe em Barretos e sabe que vai ter retorno daquele dinheiro. Na pequena cidade, há uma questão de pertencimento muito forte.”

A pandemia, diz José, estragou o semestre. Conseguiu trabalhar em quatro festas antes da paralisação total, mas só tinha três datas livres até este mês.

“Era a primeira vez desde 2008 que eu teria o primeiro semestre quase todo completo. O rodeio vinha crescendo muito”, disse.

Um motivo para a agenda cheia, segundo o setor, é que 2020 é ano de eleições municipais e, historicamente, as festas são mais bem feitas, com artistas mais conhecidos.

Nos EUA e no Canadá, as principais provas de rodeio, mesmo as previstas para o fim do ano, também foram canceladas ou ocorrerão sem a presença de público.

“O estrago vai ser tão grande, não só no nosso segmento, que não sei dimensionar o que vai acontecer. Muitos estão tentando se realocar, já que vieram do campo e o agro não para. Mas temos de ser realistas, trabalho num ramo que é entretenimento. Ele está em último lugar nos gastos de qualquer família hoje e é um evento com aglomeração, que é o primeiro lugar em que não se deve ir hoje.”

Zika, o salva-vidas, só quer trabalhar. “A gente é da roça, caipira. Rodeio é uma tradição nossa. Podem criticar, falar o que quiserem, mas sentimos falta disso, está no sangue”, disse.

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