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Pandemia muda festa japonesa no interior de SP em seu centenário

Shokonsai, que celebra os mortos na pequena Álvares Machado e atrai turistas, limitou-se a velas

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Emerson Voltare
Álvares Machado (SP)

Neste segundo domingo de julho, Miti Matsuno, 92, despertou de madrugada, como faz há décadas nesta época do ano. Desta vez, contudo, não foi para comandar o ponto do tempero agridoce dos pratos da festa do Shokonsai em Álvares Machado (567 km de São Paulo).

A costureira aposentada, uma das praticantes locais de gueitebol, tem ficado em casa, assim como quase toda a equipe do departamento de mulheres da associação nipobrasileira local. Das 40 senhoras, 25 têm mais de 80 anos.

Por causa da pandemia do novo coronavírus, esta é a primeira vez que o evento, que seria grandioso pelo centenário, ficou restrito.

A criação do cemitério exclusivamente japonês, em 1919, se deu por causa de outra calamidade. O mundo e o país saíam da gripe espanhola, mas no ainda pouco explorado sertão do extremo oeste paulista, doenças tropicais, como malária, inviabilizavam o transporte de uma grande quantidade de vítimas ao cemitério mais próximo, a 15 km dali, em Presidente Prudente.

E foi pela gripe espanhola que o patriarca da família Ogasawara, Kichiji, não conseguiu completar a viagem de navio entre o Japão e o Brasil. Outros 78 familiares chegaram ao porto de Santos em 1918. E rumaram à estação Brejão, em viagem pela recém-inaugurada extensão da estrada de ferro da Sorocabana, em 1919. Dois anos depois o local ganharia o nome de Álvares Machado (homenagem a um político do império).

Um dos herdeiros do clã, o agricultor Mário Ogasawara, 90, ainda mora nas mesmas terras adquiridas pelos seus antepassados, em frente ao cemitério, do qual é zelador. O patrimônio histórico, tombado em 1980, fazia parte da propriedade da família dele.

Mário conta que a primeira celebração, em 15 de julho de 1920, data oficial do Obon (Finados no Japão), também foi celebrado o shokonsai (convite às almas). Estabeleceu-se ali que a festa seria no segundo domingo de julho.

Outro tipo de óbito comum na região à época, além das doenças tropicais e da mortalidade infantil, era de assassinatos por disputas de terra. Mas há mais histórias, como a morte supostamente em uma luta de sumô, esporte bastante praticado pela comunidade local até a década de 1960. Ichin Tachibana, na verdade, era cardíaco, conta a professora Vilma sobre seu tio avô, morto em 1922.

Neste ano o evento ficou restrito à cerimônia das velas, que, pontualmente às 17h. Uma sobre cada uma das 784 lápides (uma única de nome brasileiro, Manoel, que teria sido morto em defesa de uma família japonesa ameaçada por jagunços, em 1920).

Fora isso, dizem a professora Vilma Tachibana, 62, e a aposentada Eli Tatizawa, 64, organizadoras de um livro sobre a Colônia do Brejão, só houve restrições no auge da Segunda Guerra, quando o governo brasileiro se voltou contra os países do eixo, Alemanha, Japão e Itália. Na década de 1940 já estavam proibidos sepultamentos no local. Os últimos datam de 1943.

No centenário, não houve comidas típicas, danças, caraoquê, bon odori (celebração ao pôr do sol pelos antepassados). Após orações católicas e meditações budistas, velas foram acesas pelos mais jovens. Um lago com cerejeiras foi inaugurado sem a presença planejada de autoridades do Japão.

Ano passado, a equipe de cozinha comandada pela professora aposentada Cecília Utida, 62, não deu conta de tanta gente e ganhou reforço de terceirizados. As últimas edições já atraíam turistas, e as batchans (vovós) conseguiram produzir “apenas” 600 refeições para convidados de honra, colaboradores e gente da comunidade. Cerca de 3.000 foram ao Shokonsai em 2019.

O sushi local, de aparência, textura e sabor de um Japão que já nem existe, segue a mesma receita centenária local: gohan (arroz), vagem, ovo, cenoura, pepino, campiô (cogumelo) e o ponto do agridoce no gengibre fatiado e curtido (shoga no tsukemono).

Também há bentô, que além de niguiri (bolo de arroz cozido), traz frango ou peixe empanado e frito, inaziruchi e nichime. De sobremesa, manju (bolo de pasta de feijão) ou yokan (gelatina de feijão azuki).

Mas neste ano a celebração culinária ficou restrita às casas, como na da dona Miti.

Segundo boletim da prefeitura da última sexta (10), Álvares Machado, com quase 25 mil habitantes, registrava 94 casos de Covid-19 e duas mortes. Nesta semana, a região de Presidente Prudente, com 56 municípios, sai da fase vermelha, a mais restritiva da quarentena imposta pelo governo do estado, para a laranja, com alguma abertura. ​Eram 2.569 casos confirmados até a última sexta, com 91 mortes decorrentes do novo coronavírus

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