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Pescadores veem renda cair e Covid-19 se espalhar em Natal

Comunidades ribeirinhas sofrem com falta de proteção em meio a pandemia

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Cledivânia Pereira
Natal

A residência do pescador José Celestino Pereira, 53, vai de uma viela a outra, espremida entre a linha do trem e o rio Potengi, na comunidade Passo da Pátria, em Natal. Colada com as casas vizinhas, não há nenhuma janela nas paredes. Os quatro pequenos cômodos que abrigam o pescador, esposa e quatro filhos praticamente não têm circulação de ar.

A casa é uma das maiores da comunidade que nasceu sobre o mangue e não tem espaço para isolamento social. Na área, cerca de 1.200 famílias se amontoam em pequenas estruturas de alvenaria.

Sem proteção —poucos têm acesso a álcool gel e máscara—, os moradores sentem os efeitos da pandemia. A poucos metros da casa do pescador, o posto de saúde da comunidade de Potengi teve uma morte registrada no dia 26 de maio. O paciente morreu em consequência da doença sem nem chegar a ser internado.

"O vírus está em toda a comunidade e a quantidade de gente que nos procura com os sintomas tem crescido", diz o diretor da unidade, Eduardo Dantas.

O Rio Grande do Norte teve até está segunda (6) mais de 35 mil casos confirmados da doença, com 1.254 mortes. Natal concentra quase a metade dos óbitos.

A capital do estado registra uma ocupação de 100% dos leitos da rede estadual há pelo menos um mês. Ela e outras 12 capitais brasileiras preocupam pela alta ocupação de leitos de UTI para pacientes no estado mais grave da doença

Sem vacinas ou medicamentos, medidas comportamentais como higiene respiratória e distanciamento são as únicas alternativas para conter o contágio da Covid-19.

"Aqui, não temos tempo para ficar doente. A gente vive ou morre todo dia”, diz o José Celestino Pereira.

O pescador diz que ninguém da sua família foi infectado pelo novo vírus, mas todos já sofrem as consequências da pandemia. O filho Marcílio Pereira, 27, único com carteira assinada na família, foi demitido da função de auxiliar de cozinha de um restaurante que funcionava no maior shopping da cidade.

A caçula, Alice, 12, está sem aulas e tenta concluir as poucas atividades enviadas pelas professoras da escola pública que não tem estrutura de ensino à distância. José não parou de tentar a sorte na pesca, mas viu o preço do pescado despencar por falta de comprador.

"Mas eu não desisto. O que eu conseguir pescar, se ninguém comprar, vira almoço”, diz.

O pescador conta que vendeu um peixe de 3 kg por R$ 30. Antes da pandemia, o valor era 50% maior. Seu irmão, Canindé Pereira, também vive da pesca.

"Meus compradores certos suspenderam as encomendas. Peixe até tem, mas não tem quem compre", conta.

Os pescadores tentaram obter o auxílio do governo federal, de R$ 600, mas até junho não tinham obtido resposta.

Pelas becos da comunidade, encontrar alguém usando máscara é uma raridade.

“Vocês pegaram a gente desprevenido”, disse rindo Valdenildo Oliveira, 35, que jogava baralho com outros quatro vizinhos, enquanto as crianças corriam solta na beira da rio —todos sem proteção. O grupo disse que nenhum serviço social ou de saúde circulou com a comunidade para alertar sobre o perigo da doença.

“O que a gente sabe é pela televisão e pelo Whatsapp”, diz o morador, que está desempregado.

Com a pandemia, a circulação de pessoas nas comunidades ribeirinhas de Natal cresceu nos últimos meses porque os pescadores não estão mais indo para o mar com tanta frequência.

“Nossa atividade está sofrendo muito nos últimos meses. Depois do óleo nas praias, agora esse vírus. Não tem quem compre o pescado”, afirma o pescador João Maria. Ele tem um barco a motor, que tem autonomia para ficar até 15 dias no mar. Antes da pandemia, trabalhava com outros três pescadores com rotina de 10 dias no mar e quatro dias em terra.

Desde o dia 16 de maio, não desatraca o barco que disputa espaço com mais de 30 pequenas embarcações no Canto do Mangue, principal área de compra e venda de peixe de Natal. A mercadoria era repassada para hotéis e restaurante —todos fechados desde março por causa do isolamento social.

Pescadores da comunidade Canto do Mangue, na região ribeirinha do Rio Potengi
Pescadores da comunidade Canto do Mangue, na região ribeirinha do Rio Potengi - Alex Régis/Folhapress

Na Redinha, que fica na outra margem do Rio Potengi, o vírus já provocou morte entre os pescadores. Na casa de Elias Gerônimo, 54, ele, a esposa e um dos dois filhos foram infectados. O pescador não resistiu e morreu após duas semanas de internação. Os outros ainda estão com sintomas, mas tratam a doença em casa.

“Já fazia uns 15 dias que não via meu pai quando ele se internou. Não consegui nem me despedir”, conta o filho Ryan Gomes, que mora em outro bairro.

Segundo o professor da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e ex-secretário da Pesca do estado Antônio Alberto Cortez, o Nordeste é a região do País que concentra o maior número de pescadores artesanais. No litoral do Rio Grande do Norte são 14 mil.

Esse contingente foi atingido diretamente com a queda na venda de pescado na época das manchas de óleo nas praias do Nordeste, ocorrido no ano passado.

“Antes de recuperar, a categoria sofre, agora, com a pandemia. Seja com falta de comprador do produto, ou por contaminação com vírus”, diz Cortez.

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