'Quando os tiros pararam, veio o barulho das bombas', diz moradora de Botucatu sobre noite de terror

Advogada conta como viveu as horas de tensão durante confronto de criminosos com a polícia

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São Paulo

A vida em Botucatu, cidade com 140 mil habitantes a 238 km de SP, costumava ser calma e sem grandes sobressaltos. Com IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de 0,8 —numa escala de 0 a 1—, o município aparece entre os mais bem colocados do país.

Como outras cidades brasileiras com mais de 100 mil habitantes, no entanto, a violência que resulta do crime organizado avançou nos últimos anos. Em 2019, a taxa de homicídios do município ficou acima da média estadual, por exemplo.

Mas o que aconteceu na noite de quarta-feira (29) surpreenderia até mesmo os moradores dos lugares mais violentos do Brasil. Um bando de cerca de 30 criminosos, armado com fuzis e metralhadoras, invadiu a cidade, explodiu bombas, fez reféns e trocou tiros com a polícia. Um suspeito morreu e dois policiais ficaram feridos durante os confrontos.

Câmera de monitoramento registra a movimentação de policiais do GATE, Policia Militar e Rota durante ação de bandidos armados em Botucatu (SP)
Câmera de monitoramento registra a movimentação de policiais do GATE, Policia Militar e Rota durante ação de bandidos armados em Botucatu (SP) - Reproducao

Por cerca de quatro horas, a cidade acompanhou atônita ao tiroteio ininterrupto como se fosse uma zona de guerra. Foi assim que a advogada sistêmica e conciliadora Ana Teresa Durante se sentiu.

*

Começou por volta das 23h. Estava chovendo forte e ouvi um barulho enorme. Pensei que era um trovão, mas não parava. Era uma rajada. Quando parou, vieram os barulhos de bombas explodindo. Então, os tiros começaram de novo.

Na hora, veio a minha cabeça o que aconteceu no ano passado, quando um grupo fez reféns e arrombou uma agência da Caixa Econômica Federal, no centro da cidade. As explosões vinham da mesma direção.

Mas, então, os barulhos começaram a vir de todos os lados.

As informações começaram a chegar na mesma hora em vários grupos de WhatsApp. Em poucos minutos, meu marido falou com amigos em um bairro distante, e eles também estavam ouvindo os mesmos barulhos de tiros e explosões. ‘Como assim’, pensei?

Cada um falando uma coisa. Cada hora uma informação diferente. E isso causa ainda mais angústia. Aí você fica perdida, não consegue enxergar e entender direito o que está acontecendo.

Parecia que tudo estava muito perto. Aí que a gente entendeu que os bandidos realmente estavam em várias partes, rodando a cidade. A sensação era de proximidade, como se estivessem aqui do lado. E estavam mesmo. Eles estavam passando em lugares como uma avenida a dois quarteirões daqui. Eles abandonaram alguns carros perto da minha casa.

Como minha casa é muito recuada [no terreno] não tive a sensação de que algo pudesse acontecer como um tiro entrar pela janela, por exemplo. Mas quem mora no centro, todo mundo dormiu no chão, no corredor.

Fiquei nervosa por minha mãe, que estava ainda mais nervosa, e é idosa. Meu filho estava com ela, mas ele estava bem. Liguei e pedi para ela dormir no corredor. Dormir, não. Deitar, pelo menos, porque o tiroteio foi das 23h até 3h. Fiquei nervosa por ela.

Depois, de manhã, teve de novo. Foi quando mataram um suspeito. A orientação da polícia foi para não sair de casa, o dia inteiro. Teve gente que não pode sair de onde estava. O pai de um colega da minha filha ficou preso no trabalho e não pode ir para casa até hoje cedo.

Tive que sair rapidamente para comprar algumas coisas para minha mãe, não teve jeito. Mas a cidade inteira estava fechada, vazia. O que o coronavírus não fez, os bandidos fizeram.

O que aflige é essa questão social. A violência vai se espalhando pelo país e chegando a outros locais, cada vez mais em cidades do interior. Não é novidade. Hoje falei com uma amiga de Campos do Jordão e ela me lembrou exatamente disso. Já aconteceu lá há alguns anos. Então, é um processo que vai se espalhando.

Isso me remeteu à sensação que tive durante os ataques do PCC, em 2006 , em São Paulo, e os dias que vieram depois. Algo como “fiquem aí que a gente vai tocar o terror na cidade. Não saiam”.

Hoje, quinta-feira, estamos todos acuados. É uma sensação que as pessoas que vivem em lugares em guerra devem ter.

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