A sensação de "liberou geral" com a flexibilização da quarentena tem preocupado lideranças de diversas periferias de São Paulo. O receio é que a reabertura do comércio deixe essas regiões ainda mais vulneráveis ao contágio pelo novo coronavírus.
Bares e restaurantes, por exemplo, poderão abrir a partir da segunda-feira (6).
“Muitas vezes as pessoas esquecem que o vírus só morre com uma vacina”, diz a socióloga Anabela Gonçalves, 38, moradora do Jardim São Luís (zona sul).
Anabela é como presidente da organização social Bloco do Beco e gerencia a Fundação Julita, projeto que atende crianças, jovens e idosos na periferia.
“Todo mundo esquece que nem todas as pessoas estão sendo testadas e que podem ser contaminadas a qualquer momento”, diz.
“O clima de liberar geral tira as pessoas da realidade e preocupa porque a periferia já enfrenta dificuldade de cumprir o isolamento, já que as condições estruturais periféricas são impróprias para seguir as recomendações de saúde.”
Entre essas condições estão o espaço de moradia, com casas pequenas e famílias numerosas, a qualidade do saneamento e do abastecimento de água, além da falta de renda, que fez com que muitos moradores seguissem a rotina normalmente mesmo nos tempos mais críticos da pandemia.
Em Paraisópolis, a segunda maior favela da cidade, Gilson Rodrigues, 35, líder comunitário e coordenador nacional do G10 Favelas, grupo de líderes e empreendedores de impacto social nas comunidades, diz não apoiar a reabertura.
“As favelas ainda estão buscando o seu normal, enquanto a sociedade prega um novo normal.”
Para ele, é anormal que a população não tenha água, que o Samu não entre na favela e que as pessoas tenham fome por conta do desemprego.
“A reabertura sem um planejamento eficaz só vai causar mais aglomeração e o aumento de casos de Covid-19 na periferia”, observa. “Essa é a população que tem que sair e depende do transporte público diariamente.”
A sensação de que nunca houve efetivamente uma quarentena e que a situação tende a piorar foi comum entre as lideranças.
“Os ônibus e trens continuaram a funcionar lotados. Com a volta dos comércios, isso tudo vai ser em uma proporção bem maior”, comenta Viviane Lima Neves, 38, líder comunitária e presidente da associação de moradores da ocupação Pelourinho (zona oeste).
Itens básicos de proteção, como o uso de álcool em gel e de máscaras são inacessíveis para os mais pobres. Na ocupação Pelourinho, nem o direito à água é assegurado, pois nem todos são conectados à rede. Desde 2015, os moradores buscam a regularização.
Para ela, o Brasil não aprendeu com os outros países, em que houve uma segunda onda de contágio após a reabertura.
“Nas periferias não teve isolamento, nem diminuiu o movimento”, ressalta a jornalista e líder comunitária Rubia Mara Oliveira, 30, em Cidade Tiradentes (zona leste).
Para ela, os mais pobres estão sendo mais vitimados na pandemia e, com a reabertura, serão os mais impactados.
Uma das regiões mais afetadas até aqui pela Covid-19 é Sapopemba, distrito da zona leste que liderava o número de mortes confirmadas e suspeitas pelo novo coronavírus, com 300.
É lá que atua Débora Dias, 22, voluntária na Uneafro (União de Núcleos de Educação Popular para Negras, Negros e Classe Trabalhadora).
Com os comércios abertos e a circulação de pessoas, a estratégia foi pensar em políticas locais para redução de danos, como o projeto Agentes Populares de Saúde, que reúne infectologistas, terapeutas e psicólogos para monitorar e apoiar pessoas do grupo de risco.
"Nos unimos para chegar na população e dizer para cumprir as determinações municipais, como o uso de máscaras e o álcool em gel", comenta. "Alertamos que o vírus ainda é letal e que precisa se proteger e reduzir a exposição."
"A gente diz que a periferia nunca teve quarentena porque as pessoas foram trabalhar, e agora a situação intensifica porque os comércios estão abrindo", acrescenta.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.