Com relatos e poesia, vídeo marca 100 mil mortes por Covid-19

Filme tem depoimentos de 92 familiares, amigos e conhecidos de vítimas da doença

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São Paulo

Para assinalar a marca de 100 mil mortes pela Covid-19 no Brasil, alcançada no sábado (8), a TV Folha lançou um vídeo com depoimentos de 92 familiares, amigos e conhecidos de vítimas da doença, que tinham de 22 a 94 anos.

Pessoas que perderam filho, pai, irmão, avô, cunhada, melhor amigo, primo, ex-professora, marido, esposa, companheiro, tio, madrinha, sobrinha e sogro enviaram sua contribuição, que foi feita à distância, respeitando o isolamento social.

A atriz Mariana Ximenes falou sobre a colega Daisy Lúcidi, com quem trabalhou na novela “Passione”.
Os apresentadores Rodrigo Bocardi e Fátima Bernardes também enviaram suas contribuições.

Cada enlutado leu o poema “Blues Fúnebre” (“Funeral Blues”), do poeta anglo-americano W. H. Auden (1907-73), em uma tradução feita pelo poeta João Mostazo. “Pesquisei muitos poemas e músicas e escolhi esse porque é direto, simples até, mas forte na expressão da dor da perda”, afirma a editora de Treinamento e Seminários, Suzana Singer, que coordenou o projeto.

Escrito em 1936, o texto se tornou mundialmente conhecido após aparecer no filme “Quatro Casamentos e Um Funeral”, de 1994. No ano seguinte, o poeta Nelson Ascher preparou uma tradução para o português a pedido do então editor do caderno Mais! da Folha, Alcino Leite Neto. O prazo? Uma tarde, sem o texto original em mãos.

“Por sorte um amigo meu tinha o VHS do filme e sabia o poema de cor. Aí ele me ditou e eu fiz a tradução em cima”, conta Ascher.

Versão revisada do poema foi depois publicada no seu livro “Poesia Alheia”, de 1998.

“No contexto atual, o texto ganha novo significado. É como um manifesto diante de um luto negado pela pandemia, com velórios e enterros abreviados e marcados por protocolos sanitários”, afirma Mostazo.

O ponto de partida do vídeo foi a seção Aqueles que Perdemos, com obituários de Covid-19, publicada pela Folha desde abril. As histórias estão reunidas em especial multimídia.


Funeral Blues

W.H. Auden

Stop all the clocks, cut off the telephone,
prevent the dog from barking with a juicy bone,
silence the pianos and, with muffled drum,
bring out the coffin, let the mourners come.

Let airplanes circle moaning overhead
scribbling on the sky the message 'he is dead'.
Put crepe-bows round the white necks of the public doves,
let the traffic policemen wear black cotton gloves.

He was my North, my South, my East and West,
my working week, my Sunday rest,
my noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last forever; I was wrong.

The stars are not wanted now, put out every one.
Pack up the moon, dismantle the sun.
Pull away the ocean and sweep up the wood.
For nothing now can ever come to any good.

*

Blues Fúnebre
tradução de João Mostazo

Parem os relógios, desliguem o telefone,
calem com um osso o cão que está com fome,
fechem o piano, abafem os tambores
para o caixão passar, cortejo e flores.

Deixem o avião rodar no céu
riscando esta palavra no ar: morreu.
Que a pomba use uma fita de amuleto
e o guarda tire a farda e vista preto.

Morreu. Era meu norte, era meu leste,
meu sul, meu sol, minha noite, meu oeste,
meu canto, meu descanso, minha canção.
O amor era pra sempre, que ilusão.

Apaguem as estrelas, não servem de farol.
A lua, guardem. Que derreta o sol.
O mar, recolham, varram as florestas
que nada me consola uma hora destas.

*

Blues Fúnebre

Tradução de Nelson Ascher. Essa versão se encontra no seu livro Poesia alheia (Rio de Janeiro: Imago, 1998).

Que parem os relógios, cale o telefone,
jogue-se ao cão um osso e ele não ladre mais,
que emudeça o piano e que o tambor sancione
a vinda do caixão com seu cortejo atrás.

Que os aviões, gemendo acima em alvoroço,
escrevam contra o céu o anúncio: ele morreu.
Que as pombas guardem luto -um laço no pescoço-
e os guardas usem finas luvas cor-de-breu.

Era meu norte, sul, meu leste, oeste, enquanto
viveu, meus dias úteis, meu fim-de-semana,
meu meio-dia, meia-noite, fala e canto;
quem julgue o amor eterno, como eu fiz, se engana.

É hora de apagar estrelas -são molestas-
guardar a lua, desmontar o sol brilhante,
de despejar o mar, jogar fora as florestas,
pois nada mais há de dar certo doravante.

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