Especialistas criam instituto para capacitar advogados na defesa criminal de pessoas negras

Organização, que terá sede na cidade do Rio, será lançada em evento online nesta sexta-feira (14)

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São Paulo

Matheus Fernandes, 18, e Matheus Pires, 19, são jovens que, nas últimas semanas, viraram notícia no Brasil.

Fernandes foi espancado ao ser confundido com um assaltante num shopping do Rio. Pires foi chamado de "lixo" no momento em que fazia uma entrega de comida num condomínio de Valinhos (SP). Ambos têm em comum, além do nome, a cor da pele, que os torna alvos constantes de racismo.

Apesar de ser a maioria (56%) no país, a população negra é a mais encarcerada e a que mais aguarda por julgamentos nos presídios.

Para representar os negros mais desassistidos na Justiça, um trio de experts seu uniu para criar o Instituto de Defesa da População Negra, com sede na cidade do Rio de Janeiro. Por causa da pandemia do novo coronavírus, o lançamento da entidade ocorrerá, de forma online, a partir das 14h desta sexta (14).

O IDPN será formado pelo jornalista Ismael dos Anjos e os advogados Joel Luiz Costa e Ana Paula Freitas. Em entrevista à Folha, os fundadores defendem que a equidade racial deve caminhar ao lado do acesso ao direito de defesa —e de qualidade.

Por isso, dizem, o instituto vai atuar, especialmente, na defesa de casos judiciais que envolvam pessoas negras e de origem periférica. E mais do que isso: capacitar advogados negros para multiplicar esse tipo de iniciativa.

Ismael dos Anjos conta que, ao ser procurado por empresas para prestar consultoria sobre relações raciais, incomodou-se com a sensação de não saber como seu trabalho impactava o desempenho dos funcionários negros.

Foi aí que nasceu a ideia de criar o instituto. O jornalista propôs a Joel Costa que separaria parte dos ganhos obtidos em consultorias para o advogado transformá-los em atendimentos jurídicos gratuitos. "Essa foi a semente. A partir da conversa sobre criarmos um fundo monetário que pudesse oferecer defesa de qualidade para pessoas sem acesso à justiça formal”, conta Anjos.

Com o ingresso de Ana Paula Freitas, o trio decidiu atuar na cidade do Rio de Janeiro, por causa da alta letalidade policial no estado fluminense. “O estado do Rio de Janeiro é responsável por 25% das mortes realizadas por todas as polícias do Brasil. Frisando que 78% dos mortos eram negros ou pardos”, diz Costa.

A organização atenderá pessoas que forem indicadas por movimentos sociais e organizações parceiras. A mentoria destinada a advogados e advogadas negros contará com cursos de atuação e acompanhamento durante os casos dos juristas associados ao instituto.

Para Freitas, as universidades e faculdades de direito não oferecem aos estudantes a prática da advocacia baseada na realidade do que chama de “opressões estruturais da sociedade”, como o racismo.

Na última quinta (13), a juíza Inês Marchalek Zarpelon, da 1º Vara Criminal de Curitiba, associou um homem negro de 48 anos a um grupo criminoso em função de sua raça. A sentença do caso apresenta três vezes nas suas 115 páginas a frase “em razão de sua raça” como indicativo de que o homem “seguramente” integraria a organização criminosa.

A juíza pediu desculpas pelo ocorrido e disse que a frase foi “tirada de um contexto maior” e que a cor do réu não foi levada em consideração para a condenação dele.

“[O caso dessa juíza] é um fato concreto que deve ser levado a esferas legislativas nacionais e órgãos jurídicos internacionais para que nunca mais esse tipo de situação aconteça. É o que faremos”, diz Anjos.

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