Incêndio que devastou área igual a 31 Ibirapueras de terra indígena em MT é controlado

Fogo consumiu vegetação de Cerrado da Terra Indígena Tadarimana, em Rondonópolis

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Manaus

Depois de cerca de 80 horas, o incêndio que atingiu mais da metade do território da Terra Indígena (TI) Tadarimana, em Rondonópolis (a 212 km de Cuiabá), em Mato Grosso, foi controlado no início da noite da última segunda-feira (3).

Os trabalhos de controle do incêndio contaram com a participação de oito militares do Corpo de Bombeiros que atuaram em conjunto com os indígenas.

As chamas, que começaram por volta de 10h de sexta (31), consumiram mais de 5 mil hectares ( área equivalente a 31 parques do Ibirapuera), incluindo um terço da porção de cerrado da TI, de onde os indígenas da etnia Bororo que vivem na região retiram frutos e plantas medicinais usadas, inclusive, no tratamento da Covid-19, contou uma das lideranças da aldeia Tadarimana, Marcelo Koguiepa.

De acordo com Koguiepa, em cerca de 60% do território da TI, o bioma predominante é o cerrado nativo e essa foi justamente a área mais atingida pelo fogo. Nesta terça (4), bombeiros e indígenas trabalhavam no rescaldo. “A maioria das frutas nativas e os remédios que a gente usa são encontrados no cerrado e perdemos mais de 30% desse bioma. Além disso, muitos indígenas sobrevivem da coleta de frutas e sementes e da caça, que certamente também serão prejudicados por esse incêndio”, disse Koguiepa.

Até o tratamento contra a Covid-19 com a medicina tradicional indígena deve ser afetado pela queimada. É que, segundo Koguiepa, as plantas medicinais são a base do tratamento adotado pelos Bororo contra o novo coronavírus. Na TI Tadarimana, onde vivem cerca de 600 indígenas, foram confirmados 85 casos e dois óbitos por Covid-19.

“O pessoal usou bastante remédio caseiro e não foi necessário hospitalizar ninguém, porque tínhamos a alternativa da medicina tradicional. Só que boa parte dela também vem do cerrado”, contou, preocupado.

E a preocupação dos indígenas tem justificativa: a região onde está localizada a TI Tadarimana vive uma estiagem severa, após um período de 110 dias sem chuvas, entre os meses de abril e julho, o que aumenta os riscos de queimadas, explica o Coordenador de Inteligência Territorial do Instituto Centro de Vida (ICV), Vinícius Silgueiro.

“Desde abril não chove nessa região, um cenário bem crítico que se soma aos ventos, que facilmente fazem com que a queimada fique fora de controle. E ainda tem o fato de essa TI não ser muito grande e ter uma grande área de cerrado, que queima mais fácil, então o território pode ser rapidamente consumido”, analisou.

Para Koguiepa, o cenário só não é pior porque o território dos Bororo é cercado pelos rios Jurigue e Vermelho, cujas margens se tornaram o refúgio de muitas espécies animais. Mesmo assim, a perda de biodiversidade deve ser significativa, afirma.

O Corpo de Bombeiros de Mato Grosso informou que a perícia, instrumento necessário para saber a origem do fogo na Terra Indígena Tadarimana é de responsabilidade da Funai, por se tratar de uma área federal. Procurada, a Fundação Nacional do Índio não se manifestou.

Mato Grosso lidera focos de incêndio no país

Segundo dados do programa de monitoramento de queimadas do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Mato Grosso é o estado brasileiro que lidera o ranking de focos de queimadas identificados em 2020.

Foram 9.898 focos de 1º de janeiro a 3 de agosto, bem acima do registrado no Pará (4.818 focos), Mato Grosso do Sul (4.374), Tocantins (3.688) e Amazonas (3.551). Em todo o Brasil foram identificados 44.715 focos de queimada em 2020, sendo 39,1% deles na Amazônia e 33,2% no Cerrado.

De acordo com o Inpe, nas últimas 48 horas, foram registrados focos de queimada em 39 unidades de Conservação (UCs) e 33 das 614 TIs brasileiras, sendo oito delas em Mato Grosso, o estado com o maior número de terras indígenas afetadas por queimadas no momento.

Outros estados com TIs com focos de incêndio identificados pelo Inpe nas últimas 48 horas são o Pará (7 TIs afetadas), Tocantins (6), Acre (5) e Maranhão (3), além do Amazonas, Mato Grosso do Sul e Rondônia, que têm uma TI afetada cada um.

De acordo com Vinícius Silgueiro, do ICV, dois fatores influenciam a alta de focos de incêndio em Mato Grosso nesse período: no cerrado, bioma mais seco do que a Amazônia, tradicionalmente as queimadas começam no primeiro semestre do ano, enquanto na Amazônia elas se intensificam a partir de setembro.

Outro fator, este mais variável, é a escassez de chuvas no Pantanal este ano, o que, segundo Silgueiro, é um reflexo do avanço do desmatamento na Amazônia, que afeta os chamados “rios voadores” – enormes volumes de chuva transportados pelas nuvens da Amazônia para outras regiões do país.

“Neste ano choveu 50% a menos no Pantanal na média histórica. O rio Paraguai registrou seu menor nível para esta época do ano desde 1964. A região vive uma de suas maiores secas, tanto que, em 2020, queimadas foram registradas nos meses de janeiro, fevereiro e março, que são meses de chuva”, explica.

Ainda segundo o especialista do ICV, a estiagem levou a um aumento de 1.173% nos focos de queimadas identificados no Pantanal no mês de julho e, entre janeiro e agosto, o crescimento acumulado é de quase 200%. “A situação do Pantanal contribuiu para que o cenário de Mato Grosso esteja assim. E, quando falamos em terras indígenas, o estado acaba se destacando pelo fato de ter muitas TIs em áreas de Cerrado, que são mais sujeitas a queimadas”.

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