Um famoso slogan diz que “o melhor da Bahia é o baiano”. Jaime Sodré não só fazia jus à propaganda como parecia ser sua própria fonte de inspiração.
Conheci o professor em Salvador, em 2004, trabalhando na primeira secretaria voltada à população negra no Brasil, a Secretaria Municipal da Reparação, eu mestranda em sociologia, ele, conselheiro.
Logo ficou claro que estava diante da melhor fonte para compreender a Bahia que não encontramos nos manuais acadêmicos ou turísticos.
Graduado pela Escola de Belas Artes da Bahia, Jaime era professor da Universidade Estadual da Bahia e do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia da Bahia, na área de design gráfico e desenho. A herança religiosa e cultural de matriz africana na sociedade brasileira era seu tema de estudos.
Tornou-se mestre abordando a influência da religião afro-brasileira na obra do escultor Mestre Didi. Ogã do tradicional terreiro do Bogum, foi voz potente no combate à intolerância religiosa. Da relação entre imprensa e candomblé nasceu seu doutorado.
Como um homem à frente de seu tempo, cobrava que não guardássemos o conhecimento, afirmando que nossa vivência poderia tornar a caminhada de muitos jovens negros menos árdua.
Sua empatia e desenvoltura lhe renderam cadeira cativa em transmissões das tradicionais festas de largo de Salvador e dos Carnavais da Bahia. Seus comentários se tornaram tão necessários quanto os próprios tambores.
Poeta, percussionista, artista e escritor, recebeu prêmios no campo das artes plásticas e no da música. Foi membro do comitê de ética da Universidade Federal da Bahia e colaborador do Centro de Estudos Afro-orientais.
Colecionou homenagens e condecorações, como a medalha Zumbi dos Palmares dada pela Câmara Municipal de Salvador, em 2009. Era um ancião com as raízes fincadas na história e os galhos voltados para o futuro.
Recentemente, no Instagram, clamou às mulheres negras, sem lhes poupar reverências, que incluíssem os homens negros no diálogo, para que aprendessem como tratar suas companheiras e se tornarem “verdadeiros negros”.
Pediu então por ele próprio: “Me inclua também, Yá Yá, nesse alguidar”, demonstrando, aos 73, que era um ser em constante desconstrução.
Personagem digno de Jorge Amado, no último dia 6 foi tirado por um infarto fulminante do convívio com os filhos, Ravi e Jamile, e os cinco netos.
A Bahia fica órfã de seu mais ilustre filho de Oxalá —que porém não partiu; ancestralizou-se.
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