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Rede ligada à Parada LGBT reúne coletivos e vai às ruas para ajudar gays e travestis vulneráveis

Pandemia tirou o trabalho de drag queens e outros profissionais ligados ao mundo LGBT

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São Paulo

A somatória da pandemia do novo coronavírus com a homofobia deixou a parte da população LGBT que vive nas ruas especialmente vulnerável. Para atender gays, transexuais, travesti, strippers, gogo boys e michês que perderam suas fontes de renda, surgiu a Rede Parada pela Solidariedade.

A ideia é do produtor cultural Heitor Werneck, que trabalha com pessoas em situação de rua há anos, e de Renato Viterbo, presidente da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo,.

Em dezembro, ao ver as primeiras notícias sobre o novo coronavírus na China, ele temeu sua chegada a São Paulo. "Isso vai chegar aqui , e o pessoal que trabalha nas ruas, nas saunas, vai perder trabalho e ninguém vai ajudar", afirma Werneck, que também agiu quando o vírus HIV fez mais vítimas entre homossexuais nos anos 1980.

O produtor cultural, que tem quase 300 pessoas da comunidade LGBT cadastradas para receber cestas básicas, quis ir para as ruas. Em uma rede de solidariedade, uniu forças com amigos e outras organizações, como o padre Julio Lancelotti, o estilista Alexandre Herchcovitch e o músico João Gordo, que criou o projeto Solidariedade Vegana com a sua mulher, Vivi Torrico.

"Não só ajudo com alimento, mas fico tentando também gerar emprego e reduzir danos", afirma Werneck, que usa essa rede para promover oficinas profissionais e promover lives patrocinadas para que esses artistas possam ter renda na quarentena. Uma delas durou seis horas e reuniu 68 artistas LGTB+.

Werneck arrecada marmitas, cobertores, água mineral, kits de higiene, camisinhas e ração para os cachorros. O grupo passa por ruas escuras em lugares ermos, muitas vezes, para fazer chegar essas doações a prostitutas travestis e transexuais.

Em lugares como o Pátio do Colégio e largo do Arouche, onde esse público se concentra, Werneck faz encontros periódicos. Ele também visita aldeias indígenas do Vale do Ribeira, e comunidades ciganas de Guarulhos e de Taubaté (SP).

A ex-prostituta e atual atriz pornô Sabrina Prezotte, 27 anos, se uniu à causa. Ela cozinha em casa, após levar os mantimentos escadaria acima.

"Antes da pandemia, eu fazia por conta própria. O que me sobrava de dinheiro, eu fazia compras e ajudava as pessoas do meu entorno. Vimos que a quantidade de gente na rua começou a crescer na pandemia e comecei a divulgar com a ajuda das amigas, até que também me uni à rede do Heitor", conta Prezotte. Disso, surgiu o grupo Eu Posso.

"Temos de ajudar a nossa raça, claro”, brinca Prezotte. “São pessoas que sofrem preconceito. Até nós temos algumas dificuldades na hora de entregar as marmitas, tem gente que não gosta, mas a gente dá um jeito."

A potiguar diz que faz isso como forma de agradecer a Deus e ao mundo tudo o que ela conquistou em São Paulo. As amigas que a ajudam já viveram nas ruas e sabem bem o que essas precisam. “A gente tenta variar o cardápio. Para eles, tudo é comida, mas imagina eles comendo um hot-dog? Isso acontece pouco”, conta Daniela Anunciação, 32, que trabalha como cozinheira.

“Das letras da sigla LGBT quem mais sofre é o ‘T’”, afirma Alberto Silva, coordenador da Casa Florescer, que acolhe transexuais. Ele conta que essa pessoa já sai de casa por que lá não encontra afeto. “Ninguém na família entende o universo dela, então a trans vai para a rua e usa as drogas e outros artifícios para se sentir inserida em algum lugar”, avalia o coordenador.

Atividades e parcerias da Casa Florescer ajudam essas meninas e mulheres a encontrarem o seu lugar na sociedade. “Somos mantidos pelo governo, mas dependo das empresas e parceiros, como o pessoal da Parada Solidária para fazer as ações acontecerem de fato."

A rede ganhou a força também do coletivo Sabão para Todas as Mãos. O projeto começou no início da pandemia com kits de higiene, mas a ideia cresceu.

“Uma das meninas, Gabriela Salgado, começou a entregar sozinha água com sabão aos moradores de rua e viu que eles precisavam muito mais do que isso”, conta Adriana Recchi, 47, figurinista e DJ , que ajudou a fundar o projeto. Hoje, Recchi faz saídas com o grupo de Werneck para atender mais gente.

A drag queen Gervásia Bhoreal, 42, também faz parte dessa rede. Há anos ela faz trabalhos sociais. “Montada” para doar as marmitas, em frente ao Theatro Municipal, no centro, Gervasia não atrai só a atenção do público do LGBT, mas também de crianças e adultos encantados com o visual.

O trabalho feito por diversos grupos que sempre olharam para o universo LGBT acabou saindo do controle durante a pandemia. Nas filas que se formam nos endereços em que eles marcam ponto de distribuição de comida e kits, há quem tenha onde morar, mas não o que comer.

Tem entregador do iFood que carrega alimento em sua mochila, mas entra na fila. Há famílias com crianças, idosos e trabalhadores que foram despejados. A cuidadora de idosos, Wilma Leal, 62, paga uma pensão com o auxílio que recebeu do governo, mas não sobra para comer. Pegou frutas na fila da Rede para jantar em casa. Ela diz que “não é certo esse negócio de menino com menino”, mas agradece o gesto lindo feito por eles.

Além da própria comida e água que eles providenciam, há sempre outros pedidos que os ativistas recebem, além dos gastos com a própria organização. “São as embalagens para pôr comida, máscaras, luvas, transporte. Teve dia que comprei R$ 300 reais em água porque eles não têm o que beber na rua. Muita gente sente mais sede que fome”, conta Werneck.

Tem, ainda, a preocupação de manter limpo o local da distribuição da comida, com sacos de lixo. ”Por isso quero divulgar o projeto, para ter mais ajuda e criar uma estrutura grande.”

A Prefeitura de São Paulo não sabe dizer se o número de pessoas em situação de rua aumentou na capital durante a pandemia. O último censo, realizado em 2019, contabilizou 23.344, sendo que 8% delas se autodenomina homossexual ou bissexual.

ONGs como a Sefras (Associação Franciscana de Solidariedade) sentiram que há um leve aumento na demanda por um prato de comida, mas não possuem dados concretos. “Nossa ação emergencial manteve a quantidade de atendimentos (2.400 refeições/dia na Tenda + 3.000 em outros espaços). Pela sensibilidade e impressão da nossa equipe que está na ponta, é notória a presença de pessoas que não estão em situação de rua, ou que estão há pouco tempo nessa situação” informou a associação, em nota.

Também fazem parte da Rede Parada pela Solidariedade o Coletivo Família Stronger, o Grupo Pela Vidda SP e o Projeto Seforas.

Como ajudar: http://paradasp.org.br/paradasolidariedade@gmail.com

Aceita: alimentos não perecíveis, itens de higiene e limpeza, ração e remédios para cães e gatos, doando cestas básicas, kits de higiene pessoal, escovas de dentes, máscaras de proteção, serviços de logística e transporte para entrega das doações, ou mesmo como voluntário

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