Sargento da PM de SP é suspeito de ser assassino de aluguel da cúpula do PCC

Defesa diz que policial é inocente e que indícios são 'coincidência ruins'; Justiça decreta prisão preventiva

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São Paulo

Um sargento da Polícia Militar de São Paulo, tido como policial exemplar e membro permanente de unidades de elite da corporação, é suspeito de ser um dos principais matadores de aluguel do PCC e de cobrar até R$ 100 mil por serviço, para dar cabo a desafetos da cúpula da facção criminosa.

Nessa função de matador, o policial teria sido personagem central da guerra fraticida da facção ocorrida em 2018 e participado do assassinato de criminosos, a mando de chefões do PCC, como o de Cláudio Roberto Ferreira, o Galo Cego, atacado com 70 tiros de fuzil no interior de um Audi blindado, na zona Leste da capital.

O policial suspeito, o sargento Farani Salvador Rocha Júnior, 36, teve a prisão preventiva decretada pela Justiça no final de julho, quando também foi denunciado pela Promotoria pela suposta participação em um outro crime: ele é suspeito de mandar matar um colega de farda, o cabo Wanderley Oliveira de Almeida Júnior, 38, que, dias antes, teria produzido um dossiê sobre a suposta vida dupla do sargento.

Eduardo Kuntz, advogado do PM suspeito, disse que seu cliente é inocente e isso será provado no processo. “As provas da defesa vão afastar todos os indícios da investigação”, disse.

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Veículo utilizado por Cláudio Roberto Ferreira, 38, o 'Galo Cego', morto em ataque na zona leste da capital em 2008, ação que pode ter tido participação de PM de SP - Edu Silva/Futura Press/Folhapress

As suspeitas de ligação de Farani com o PCC surgiram durante a investigação da morte de Almeida Júnior, assassinado em fevereiro deste ano quando fazia um bico de segurança em um estabelecimento comercial em Itaquera, na zona leste.

O nome do sargento foi logo relacionado ao crime porque a própria vítima, dias antes do ataque, havia alertado os colegas do temor de ser assassinado em uma emboscada armada por Farani. “Me dá dor de barriga só de pensar. Esse cara é perigosíssimo”, disse ele em um áudio enviado a colegas.

Almeida foi morto em uma emboscada. Dois homens, disfarçados de operários, aproximaram-se do PM e atiraram 22 vezes contra ele. Morreu no local.

O motivo de desavença entre os dois nasceu, segundo investigação das polícias Civil e Militar, em razão de uma vaga de trabalho em um Baep (batalhão de operações especiais) da capital. Almeida Júnior pretendia retornar à unidade após ser removido administrativamente, mas soube que Farani exercia sua influência com os oficiais da unidade para impedir essa volta.

Descontente com a suposta traição do colega, Almeida Júnior decidiu produzir um dossiê com tudo o que sabia contra o sargento e entregá-lo a alguns policiais. A intenção era enfraquecer o prestígio do rival com o comando, afastá-lo do Baep, e, assim, conseguir retornar à unidade de elite, segundo investigadores.

Entre as informações levadas ao dossiê estariam indícios da suposta ligação do sargento o crime organizado e seu papel de matador de aluguel. Entre os índices estava o fato de Farani ter solicitado pesquisas de dados no sistema da Polícia Militar de criminosos ligados ao PCC e ao menos dois deles terem sido mortos.

Galo Cego, por exemplo, teve a placa do veículo pesquisado no sistema de dados PM menos de 48 horas antes de ser morto, em 23 de julho de 2018. Há possibilidade de que isso também possa ter ocorrido com Wagner Ferreira da Silva, o Cabelo Duro, assassinado a tiros de fuzil em 22 fevereiro do mesmo ano, próximo a um hotel de luxo na zona leste da capital.

Farani teria solicitado ainda a consulta nos bancos de dados do governo dados do RG de Márcio Alario Esteves, o Turim, outro suspeito de ligação com o PCC. A polícia não sabe se Turim está vivo.

A defesa confirma que o cliente fez esses três pedidos, mas disse que eles nada têm a ver com os crimes.

Os policiais sabem, porém, que o sargento tinha nova “encomenda” envolvendo dois outros criminosos ligados ao PCC. O PM estaria fazendo levantamentos para o ataque, mas o plano não foi concluído porque Farani foi preso no início de junho, em prisão temporária, convertida agora em preventiva (sem prazo).

Almeida Júnior disse aos colegas que sabia dessas pesquisas porque foi ele mesmo que realizou parte delas, nos bancos de dados da polícia, quando, segundo alegava, ainda não sabia da ligação do sargento com o PCC.

Procurada, a Secretaria da Segurança Pública informou que o caso é investigado pelo DHPP e pela Corregedoria da Polícia Militar e que Farani está preso no Presídio Romão Gomes desde 1º de junho. “Diligências seguem em andamento em sigilo policial."

A SSP diz que o PM ingressou na instituição em novembro de 2002 e que sua última unidade foi o 13º BPM/M.

Outro lado

O advogado Eduardo Kuntz, defensor de Farani no processo do colega morto, disse que existem “coincidências ruins” contra seu cliente, mas nenhuma prova concreta, apenas “ilações”.

“Existem indícios? Existem. São coincidências ruins? São coincidências ruins. Mas indícios e coincidências ruins para se transformarem em provas e condenação, a gente está falando de um sistema penal diferente do brasileiro.”

As coincidências ruins citadas pelo advogado são os pedidos de levantamento de dados feitos por Farani de Galo Cego e Cabelo Duro. Segundo o advogado, há explicações convincentes dadas por testemunhas no próprio inquérito que explicam o motivo desses pedidos, nenhum deles ilícito.

“Dá a impressão que ele tem envolvimento? Dá. Mas eu tenho informação que, além do Farani, outras 50 pessoas fizeram pesquisa da placa do Galo Cego nos dez dias anteiores à morte dele. Será que vão colocar as outras 49 pessoas no inquérito da PF?”, questionou o defensor.

Ainda de acordo com Kuntz, seu cliente se comprometeu a fornecer material biológico para eventual confronto com sangue encontrado nos locais de crime dos chefes do PCC.

“Dizer que o Farani, que tem um histórico de mortes e apreensões contra o PCC, seja um executor ou a cabeça pensante desse braço de matança de policiais do próprio PCC é um baita de um contrassenso”, disse.

O advogado diz ainda que a polícia foge do foco principal da investigação, que é a morte de Almeida Júnior. Diz ainda que as declarações do seu cliente ajudaram a investigação desse assassinato, ampliando o leque de possibilidades dos possíveis interessados.

A vítima, por exemplo, era agiota atuante e com uma série de clientes endividados. “Havia bastante gente devendo dinheiro para ele e isso era uma coisa que o preocupava bastante. Testemunha disse ter ouvido dele que estava extremamente preocupado com uma dívida. Minutos depois ele faleceu.”

O advogado afirma que Almeida Júnior não era um policial exemplar, como no início da investigação parecia ser. “A investigação pôde reconhecer que Vanderlei, diferente de Farani, que até hoje nunca tinha tido o nome envolvido com nada, era uma pessoa que foi inclusive colocada para fora do Baep por diversos problemas”, disse.

Por fim, Kuntz diz que vai pedir a impronúncia de Farani desse crime e que a única irregularidade provada contra ele ao final de tudo será ter feito bico extraoficial.

“O único desvio de conduta de Farani, que pode causa algum problema para ele, porque é confesso nesse sentido, que ele fazia uma coisa que é proibida na polícia que é fazer o chamado bico. Ele fazia bico para postos de combustível”, disse.

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