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Aluna de projeto social, musicista brasileira conquista vaga em escola de ponta na Europa

Palloma, 23, chamou a atenção de estrela da música erudita durante aula na internet; filha de doméstica, ela ainda não conseguiu garantir todo o período de estudo

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Bruxelas

Palloma Izidio, 23, sabe há anos quem é Marc Sabbah, mas ele nunca tinha ouvido falar dela até maio deste ano. Vinte minutos foram suficientes para despertar seu interesse.

Em mais quatro semanas, ele se convenceu de que ela tinha muito potencial. Quase cinco meses depois do primeiro contato, os dois se encontrarão pessoalmente na Bélgica nesta semana para um projeto comum, depois de percorrer caminhos pessoais e profissionais muito diferentes.

Estrela da música erudita global, Sabbah, 32, nasceu em Nova York e começou a estudar violino aos 3 anos de idade. Mudou aos 11 para a viola, tornou-se solista, tocou no mundo todo e ganhou vários prêmios internacionais.

Palloma pôs a mão nesse instrumento pela primeira vez num projeto social de Barra Mansa (RJ), onde nasceu e cresceu com sua irmã mais nova e sua mãe, empregada doméstica e, hoje, cuidadora de idosos.

Moça negra de máscara toca viola ao lado de casa em favela de São Paulo
A violista Palloma Izidio toca viola em uma ação do Instituto Baccarelli, em Heliópolis, em setembro de 2020, antes de embarcar para uma graduação e mestrado no Conservatório de Mons, um dos melhores do mundo, na Bélgica - Carla Carniel/Divulgação

Ser musicista era seu sonho de criança. A oportunidade de chegar perto da música veio num projeto social para crianças da rede pública. Cada escola tinha um instrumento diferente, e o do colégio de Palloma era a viola.

Com a viola veio o professor, Gabriel Marin, então primeira viola solista da OSB (Orquestra Sinfônica Brasileira) e monitor da Orquestra Sinfônica de Barra Mansa.

Foi a ele que Palloma pediu conselho quando se viu estagnada na cidade natal. “Se quer mesmo fazer carreira na música, venha para São Paulo”, respondeu Marin, incentivando-a a participar da seleção para o Instituto Baccarelli.

Gratuita, a entidade ensina música a mais de 1.200 crianças e jovens por ano e sustenta 13 corais, 48 turmas de coletivos de instrumentos e 4 orquestras. Mas, para permitir a mudança, Palloma precisava entrar na principal delas, a Orquestra Sinfônica Heliópolis, que além de aulas particulares dá uma bolsa.

Ela fez a prova numa quinta-feira e recebeu a aprovação na terça seguinte, junto com o recado: “Amanhã você tem que estar aqui”. Aos 18 anos, mudou-se da casa da mãe para uma república em Heliópolis.

“Chegar a São Paulo foi um choque”, conta ela. O primeiro contato com a orquestra foi outro: “Fiquei muito impressionada com o nível de refinamento. Não era só tocar as notas no ritmo certo, era realmente um nível acima de tudo que eu conhecia”.

Entendeu de cara que sua única opção era estudar muito, algo que sempre gostou de fazer. “Cheguei a praticar oito horas por dia. Aos poucos, fui melhorando, encontrando minha voz como artista.”

A evolução a levou a ser primeira viola solista de Heliópolis.

Então veio a pandemia e tudo desmoronou. O instituto e a orquestra tiveram que cortar a bolsa, e, sem recursos para se manter em São Paulo, Palloma teve que voltar a Barra Mansa.

As aulas e ensaios ficaram impossíveis.Por mais que ela se dedicasse ao estudo, suas chances de evolução encolheram. “Vi meu sonho indo embora”, conta.

Mas, se virou tudo de cabeça para baixo, o confinamento também trouxe a volta por cima. Para compensar a falta de atividades presenciais, o Baccarelli intensificou aulas online, as chamadas masterclasses, com instrumentistas de ponta.

Uma delas seria com Sabbah, e Palloma foi uma das três alunas convidadas para participar. “Pensei em estudar muito e dar o meu melhor para aproveitar um musicista tão incrível, porque não teria uma chance dessas tão cedo.”

Como as sessões costumam durar 20 minutos, incluindo a análise do professor e suas orientações, Palloma preparou poucos compassos de uma peça, que executou com precisão. Para sua surpresa, o musicista a mandou prosseguir.

Moça negra toca viola com outros músicos ao fundo
A violista Palloma Izidio toca a Sinfonia n° 6 do Gustav Mahler no concerto de abertura da temporada 2018 da Orquestra Sinfônica Heliópolis, no Theatro Municipal de São Paulo; foi seu primeiro concerto como viola solista. - Arquivo pessoal

“Imediatamente vi nela algo promissor. Sua capacidade de pensar de forma abstrata e concreta, ao mesmo tempo em que incorporava meus conselhos, é o que todo professor sonha em um jovem músico”, afirmou Sabbah à Folha.

Ao final da masterclass, ele a convidou para uma aula particular. Depois ofereceu uma segunda, e então aulas semanais. Após dois meses, convenceu-se de que a brasileira tinha nível para estudar no Conservatório Real de Mons, na Bélgica, onde ele dá aulas. “Palloma tem a ética de trabalho certa. Fez e fará um enorme progresso em sua forma de tocar”, disse o professor.

O repertório teve que ser gravado em apenas uma semana. “Se ela não estivesse bem preparada e estudando frequentemente, jamais teria conseguido executar obras tão complexas em tão pouco tempo”, disse Marin em depoimento ao Baccarelli.

A aprovação veio em julho, mas seus estudos ainda não estão garantidos. O Conservatório de Mons não dá bolsas de estudo, e Palloma precisava levantar dinheiro suficiente para pagar passagens aéreas e a primeira anuidade, só para começar.

Moça negra olha partitura e segura viola; ao fundo, tubos de um órgão
A violista Palloma Izidio em dezembro de 2015 no Salão Lorenzo Fernandes, na Escola de Música da URFJ, em um concerto da Academia Juvenil da Petrobrás Sinfônica, grupo que ela integrou naquele ano - Arquivo pessoal

Percorreu várias empresas pedindo patrocínio, sem sucesso. “Há pouco interesse em participar arte no Brasil.” Com a ajuda de algumas pessoas e a oferta de hospedagem em Bruxelas até dezembro, ela embarcou nesta semana.

Para os passos seguintes, manteve aberta na internet uma vaquinha online e espera que mais gente a ajude a se sustentar na Europa até que ela consiga um trabalho.

Na opinião de Sabbah, é um investimento seguro. “Acredito que Palloma tem a capacidade de se tornar uma violetista maravilhosa, de qualidade internacional”, diz ele.

O musicista acredita que a experiência dela na Europa “pode abrir caminhos que ela nunca imaginou serem possíveis” e inspirar outras pessoas “a sonhar alto e seguir seus sonhos”.

Nos próximos dez anos, Palloma espera estar tocando numa orquestra muito boa. “Vou estudar para isso. Se não conseguir, não vai ser por falta de esforço.”


Como ajudar: http://abacashi.com/p/bacharel-na-belgica

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