Fragmentação florestal na Amazônia emite um terço do carbono produzido pelo desmatamento, diz estudo

Trabalho publicado na revista Science Advances mostra que desmatamento não é única fonte de gases que causam aquecimento global na região

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São Carlos

O desmatamento está longe de ser a única fonte importante de gases causadores do aquecimento global na Amazônia, mostra uma pesquisa que acaba de ser publicada por cientistas brasileiros. A simples divisão da floresta original em pedaços menores e isolados altera a mata de tal forma que a emissão desses gases pode se tornar 37% mais intensa.

Publicado na revista especializada Science Advances, o trabalho foi coordenado por especialistas do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), em São José dos Campos (SP), e teve também a participação de pesquisadores de países europeus e dos EUA. Avaliando as emissões de toda a região amazônica entre 2001 e 2015, eles concluíram que cerca de um terço do total não veio do desmate propriamente dito, mas sim da chamada fragmentação florestal.

Esse processo tem uma série de efeitos já bem conhecidos, e bastante negativos, sobre a estrutura da vegetação. Quando um trecho de floresta fechada deixa de ser contínuo e passa a ficar cercado de plantações ou pasto, a borda da mata em contato com o ambiente afetado pelo homem começa a sofrer uma série de alterações microclimáticas, explica o engenheiro ambiental Celso Silva Junior, doutorando do Inpe e coautor do estudo.

“Acontecem mudanças na temperatura, na umidade e na quantidade de luz solar que atinge a borda”, diz ele. Como a vegetação estava adaptada às condições mais protegidas, úmidas e frescas do meio da mata, isso leva a uma mortalidade considerável das plantas na borda do fragmento.

Resultado: ao morrer e se decompor, elas lançam na atmosfera o carbono que estava armazenado em sua biomassa, tal como acontece quando um trecho de mata é derrubado ou queimado (a fragmentação, aliás, também facilita os incêndios florestais). Tudo isso contribui para o acúmulo de gases do efeito estufa na atmosfera e, portanto, para a crise climática global.

A novidade do trabalho foi quantificar o peso desses processos ao longo do tempo, combinando imagens de satélite de todos os países amazônicos com o chamado LiDAR, uma espécie de “radar de laser”, a bordo de aviões. “Ele gera uma modelagem 3D da altura da vegetação. Com isso, você tem uma ideia de como está a biomassa na borda dos fragmentos e compara isso com a floresta intacta, o que permite estimar o quanto foi perdido de carbono com o passar do tempo”, afirma Silva Junior.

Ao analisar cuidadosamente esses dados, a equipe descobriu não apenas a importância das emissões de carbono derivadas da fragmentação como também outro fato não muito animador. O Brasil conseguiu controlar e reduzir as emissões derivadas do desmatamento entre 2004 e 2012; contudo, mesmo nesse período de redução, os gases vindos da fragmentação florestal pouco se alteraram.

Isso significa que seria necessário pensar em estratégias específicas para enfrentar a fragmentação florestal –criando corredores florestais para conectar fragmentos isolados, por exemplo–, além, é claro, de controlar novamente o desmate amazônico, o qual alcançou seu nível mais elevado em uma década em 2019 (cerca de 10 mil km2 desmatados).

Tais dados têm, inclusive, implicações diplomáticas para o Brasil e outros países cujas emissões de gases do efeito estufa derivam principalmente do desmatamento e das queimadas. Para cumprir seus compromissos internacionais de combate à crise climática, estabelecidos no Acordo de Paris, tais nações precisam monitorar com precisão as fontes de suas emissões.

Mas o trabalho também tem implicações diretas para resolver problemas bem mais próximos, como a atual onda de incêndios em ecossistemas de todo o Brasil. “Os resultados de nossa pesquisa ajudam a identificar as áreas onde temos maior vulnerabilidade de florestas à ocorrência de incêndios florestais. Esse tipo de desastre socioambiental traz grandes prejuízos sociais, econômicos e ambientais para toda a população amazônica e para o país”, diz Liana Anderson, pesquisadora do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) e coautora da pesquisa.

Outro pesquisador responsável pelo estudo, Luiz Aragão, do Inpe, diz que não se pode politizar informações como a que o grupo obteve, apesar das reiteradas críticas do governo Bolsonaro à confiabilidade dos dados da instituição.

“Os problemas abordados no estudo não são questões políticas, mas desafios da nação necessários para a melhor gestão de nosso território e de seus recursos naturais. Não existe pressão política que supere as demandas da sociedade para o estabelecimento de caminhos que favoreçam o desenvolvimento do país de forma sustentável e que conduzam ao reestabelecimento de seu papel central no combate às mudanças climáticas globais.”

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