Nas redes, policiais evitam declarações religiosas; evangélicos são mais vocais

Pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mapeou 879 perfis

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Rio de Janeiro

Não é comum que um policial vá às redes sociais para manifestar sua fé, mas, quando o faz, é quase sempre para interagir com páginas e perfis evangélicos.

É o que aponta um mapeamento do comportamento virtual de 879 membros das Polícias Militar, Civil e Federal. Feito em parceria com a Decode, empresa de análise de dados, o estudo foi divulgado na terça-feira (22) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Na rede social usada como base, o Facebook, 76% dos agentes não apresentaram atividade relevante em páginas religiosas. Do restante, 160 policiais (18%) compartilharam conteúdo evangélico, sobretudo de igrejas pentecostais ou neopentecostais como Assembleia de Deus e Igreja Universal.

É mais que o triplo da soma de posts católicos (27), espíritas (23) e de religiões afrobrasileiras (2).

Para Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum, a maioria dos policiais é comedida nas redes "por saber que estará sendo supervisionada, e há vários regulamentos sobre o que policiais podem ou não fazer". Ou seja, muitos mais podem ter uma vida religiosa ativa, só não a expõem na internet.

A inclinação evangélica entre agentes não surpreende o sociólogo.

Deficiências crônicas acompanham o ofício há décadas, e quem está na base da pirâmide é cobrado por isso, diz Lima. E daí que "problemas da área são transformados em problemas morais, associados ao certo e ao errado, às condutas individuais das pessoas", afirma.

"Na prática, isso não permite que pensemos a segurança como política pública, com a responsabilização de toda a cadeia do comando. Ficamos sempre julgando o policial na ponta da linha. Isso abre espaço para grupos religiosos se apropriarem politicamente do debate e acolherem os profissionais com mensagens de pertencimento e reconhecimento."

Quem capturou bem esse movimento foi a igreja do bispo Edir Macedo, segundo Lima. "A Universal está modulando o discurso do Republicanos para contemplar demandas 'terrenas' da base policial", diz, citando o partido tido como costela partidária da denominação.

A própria igreja tenta expandir sua influência sobre as corporações. Em 2018, criou a Universal nas Forças Policiais, que oferece “auxílio espiritual, psicológico e social a esses homens e mulheres que servem à sociedade”. O programa, nas contas da igreja, atingiu 1 milhão de pessoas em 2019.

Pentecostais são os mais ativos em ambientes pró-Jair Bolsonaro no digital, com 31% de policiais interativos no bolsonarismo radical e 17% no moderado. Outros filões religiosos passam longe dessa participação: entre católicos, por exemplo, só 7% se manifestaram sobre o presidente.

"Há aqui um movimento para assumir o controle da narrativa de que Bolsonaro defende os policiais, quando na prática ele não é nada diferente de outros governos na pauta das corporações e não atendeu a demandas históricas, como a criação do Ministério da Segurança", diz Lima.

PMs, em geral, estão mais à direita do que os colegas civis e federais. O conservadorismo nos costumes foi a principal bandeira levantada por 42% dos profissionais que interagiram em espaços virtuais cristãos. O patriotismo veio a seguir (32%), e distantes ficaram o pacifismo (11%) e as causas sociais (6%).

Para definir a categoria conservadora, a pesquisa identificou postagens como esta antiaborto, “abortista é cúmplice de assassinato”, ou esta contra a educação sexual, “agora a esquerda quer colocar até aulas de sexo e pornografia nas escolas”.

Já o patriotismo foi ilustrado por mensagens como uma que criticou a presença de venezuelanos em Roraima: "Esses caras vêm lá do país deles trazer mais problemas pra nós”, dizia um post com vídeo de suposto roubo dos vizinhos latinoamericanos no estado.

Os pacifistas tiveram como medida publicações críticas a ações policiais violentas em protestos e greves, como esta: "Não pode haver tanta repressão contra quem está desarmado, sem ameaçar ninguém ou algum patrimônio”.

Já agentes simpáticos a causas sociais lamentaram, por exemplo, a violência doméstica: “Ocorrências de mulheres que sofrem em casa são cada vez mais comuns na vida dos PMs em patrulha”.

Uma etapa prévia do estudo, publicada em agosto, detectou até divergências musicais entre as três classes policiais: militares e civis preferem sertanejo, já federais, rock.

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