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São Paulo hesita em implementar urbanismo tático para mitigar crise sanitária

Medidas emergenciais ganham espaço internacionalmente, mas não foram ampliadas na cidade

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São Paulo

Alargamento de calçadas, ampliação de ciclofaixas, abertura de ruas para pedestres, mesas ao ar livre. Essas são algumas medidas de planejamento adotadas ao redor do mundo durante a pandemia para evitar aglomerações no transporte público, uso excessivo de automóveis individuais e garantir a segurança de pedestres, dificultando a proliferação do coronavírus.

Em São Paulo, contudo, essas estratégias, chamadas de urbanismo tático, demoraram para ser implementadas, apesar de experiências anteriores como parklets, desde 2014, o Ruas Abertas, desde 2015, e ciclofaixas de lazer, desde 2009.

O projeto de urbanismo tático mais avançado no momento é o Ocupa Rua, que prevê o uso de partes das calçadas e vias como área de atendimento de restaurantes. O experimento piloto será no centro da cidade, na região da praça República, no trecho que inclui as ruas Major Sertório, General Jardim, Bento Freitas, Araújo e José Paulo Mantovan Freire.

Segundo o secretário de desenvolvimento urbano Fernando Chucre (PSDB), seria utilizada a legislação já existente dos parklets, mas com uma "versão desburocratizada", menos dependente da prefeitura, e simplificada das estruturas de madeira, que podem chegar a custar R$ 30 mil para os estabelecimentos.

O projeto, longe de ser consenso mesmo entre os estabelecimentos abarcados no piloto, está em fase de implementação. A iniciativa foi de um grupo de empresários do centro e foi a única que a prefeitura abraçou, apesar de ter recebido projetos de bairros diversos, como Itaim Bibi, Pinheiros, Mooca e Santana.

Segundo a secretaria, restrições da vigilância sanitária sobre higiene impedem a implementação ampla do plano.

Chucre afirma, porém, que o projeto final é bem diferente do original, que previa abertura de ruas para pedestres e atendimento. "Numa das vias ali passa ônibus. Não tem como fechar o viário nesse nível", comenta.

Em cidades da Europa e em Nova York a abertura de calçadas e ruas para restaurantes e bares ganha espaço. Sob justificativa de que o contágio seria mais difícil ao ar livre, as cidades estão liberando desde a faixa de estacionamento até vias inteiras para o atendimento de restaurantes, bares, comércio e para uso de pedestres.
Mesas de restaurante colocadas em rua de Nova York, que permitiu consumo de alimentos em áreas externas a partir de 22 de junho; as mesas estão na faixa que seria para estacionamento, no leito da rua, cercadas por cavaletes de madeira simples, com dizeres "no parking", "proibido estacionar"
Mesas de restaurante colocadas em rua de Nova York, que permitiu consumo de alimentos em áreas externas a partir de 22 de junho - Johannes Eisele/AFP

Segundo Letícia Sabino, fundadora da ONG SampaPé!, abrir ruas dessa forma é uma das medidas mais baratas que se podem implementar. "Você coloca um cone e você abriu esse espaço. Não precisa pintar nem nada", diz.

A cidade de São Paulo já conta com um programa similar desde 2015, o Ruas Abertas, que prevê o fechamento de algumas vias para automóveis aos finais de semana e feriados, como a avenida Paulista, trechos da avenida Sumaré e a rua Aída, no Ipiranga.

Durante a pandemia, o programa foi suspenso, e ainda não há data certa para sua volta. Segundo Chucre, a interrupção é consequência da restrição de uso dos espaços não essenciais imposta pelo plano de reabertura de São Paulo.

Desde maio, a ONG SampaPé! articula uma campanha online para pressionar a prefeitura por um plano emergencial de mobilidade ativa, focado na ampliação de calçadas e ciclofaixas. A campanha tem apoio de iniciativas como Minha Sampa, Instituto A Cidade Precisa de Você e o IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil).

À Folha a SMMT (Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes) informa que, em agosto, realizou duas oficinas virtuais com entidades da sociedade civil, como a SampaPé!, e com a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), para discutir locais que poderiam receber iniciativas de ampliação de espaços para pedestres por meio de pintura do solo e colocação de balizadores nas vias.

Foram escolhidos quatro pontos para implementação de calçadas ampliadas: a ladeira Porto Geral, no centro da cidade, a rua Oriente, no Brás, o viaduto do hospital Beneficência Portuguesa, na Bela Vista, e a avenida Kumaki Aoki, no Jardim Helena, zona leste da cidade, onde, segundo a SMMT, as obras já começaram.

Os locais de espera para travessia também foram ponto de discussão nas oficinas da prefeitura. São estudados ampliação das esquinas, usando a rua, e das faixas de pedestre, para que as pessoas se espalhem mais na hora de atravessar.

Para o vereador Police Neto (PSD), idealizador do Estatuto do Pedestre —lei de 2017 regulamentada por decreto municipal no mês passado— a prefeitura não priorizou a caminhada como alternativa segura de deslocamento.

Ele acredita que a maior circulação a pé e de bicicleta poderia ter reduzido aglomerações e consequentes contágios no transporte coletivo.

Bogotá foi uma das cidades que apostaram em medidas de urbanismo tático para bicicletas. Em março, a prefeita da capital colombiana, Claudia López, anunciou a ampliação das faixas cicloviárias temporárias, sinalizadas por cones e monitoradas por policiais, como as ciclofaixas de lazer em São Paulo. Uma medida similar foi adotada em Belo Horizonte.

Em São Paulo, não houve ampliação das rotas existentes. "Nunca é uma decisão unilateral da prefeitura", diz Fernando Chucre. Dos novos 173,5 km previstos no plano cicloviário aprovado em 2019, foram implementados 17 km até agora.

As ciclofaixas recreativas, instaladas durante os finais de semana e feriados, estavam interrompidas desde outubro de 2019 por falta de patrocínio e retornaram em julho, sem ampliação de horário de funcionamento.

A hesitação da prefeitura em ampliar e criar novas medidas de urbanismo tático durante a pandemia foi, na visão de Police Neto, uma oportunidade perdida de deixar um legado após a crise sanitária. "O investimento em saúde não é adversário de outras políticas inteligentes capazes de tornar a cidade mais saudável", afirma.

A diretora da ONG SampaPé! classifica a demora na implementação de planos emergenciais como negligência do poder público —e diz que os planos de mobilidade existentes ainda são tímidos. A implementação tardia, afirma, pode gerar mais polêmica, devido à disputa por espaço com carros, que agora circulam mais do que no início da pandemia. "Mas é melhor fazer agora do que não fazer", completa.

Arquiteto, professor da área de planejamento urbano na FAU-USP e colunista da Folha Nabil Bonduki, afirma que o urbanismo é um elemento estrutural na prevenção de contágios.

Ele recorda que o urbanismo moderno nasce da implantação de códigos sanitários. O primeiro código de São Paulo, de 1894, prima pela circulação de ar, "para evitar vírus respiratórios", diz.

"Não é por acaso que temos bairros chamados Higienópolis", comenta ele, que foi vereador pelo PT e relator do projeto de lei do Plano Diretor Estratégico da cidade, entre outros cargos públicos.

Propostas comunitárias também ocupam espaço importante na construção de alternativas de planejamento urbano.

Marcella Arruda, coordenadora do Instituto A Cidade Precisa de Você, observa que "iniciativas surgiram pela pandemia e estão reocupando os espaços públicos, ressignificando as relações de bairro, de vizinhança".

Ela cita casos como da Brasilândia, onde moradores organizaram entregas de alimentos orgânicos e Paraisópolis, onde moradores se organizam em torno da demanda por um parque.

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