Texto engana ao comparar aumento da venda de armas com queda dos assassinatos

Publicação que viralizou nas redes sociais usa dados de anos diferentes e números ainda não consolidados

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

É enganoso um conteúdo que circula nas redes sociais afirmando que os homicídios com armas de fogo caíram ao “menor patamar em 21 anos” ao mesmo tempo em que a venda de armas de fogo aumentou 200% no Brasil. O texto, verificado pelo Comprova, compara dados de anos diferentes e usa números preliminares, ainda não consolidados.

O dado sobre o crescimento no número de registros de armas de fogo é real e foi verificado entre o primeiro semestre de 2019 e 2020. A informação sobre os homicídios, no entanto, se refere a um outro período; utiliza números preliminares, e que, portanto, não podem ser utilizados como finais; e ainda é atribuído a um instituto que não pesquisa mortes por armas de fogo.

Consultado, o Instituto Sou da Paz, ONG dedicada a debater criminalidade e violência, destacou que as mortes por arma de fogo são um fenômeno complexo e influenciado por vários fatores.

Mão segura uma pistola em fundo cinza
Registro de armas cresceu de 2019 para este ano - Giuseppe Porzani/Fotolia

Venda de armas

O primeiro número citado refere-se ao aumento da quantidade de armas registradas no Brasil. De fato, houve uma elevação de quase 200% entre o primeiro semestre de 2019, em que 24.663 unidades foram registradas, e o primeiro semestre de 2020, no qual o número de armas registradas chegou a 73.985. Esses dados são do Sinarm (Sistema Nacional de Armas), da Polícia Federal.

Procurada, a PF enviou os dados mais atualizados, segundo os quais a tendência de alta continua. De janeiro a agosto deste ano, 105.603 novas armas entraram legalmente em circulação no Brasil; o que já supera todas as armas compradas legalmente em 2019.

Os dados da PF incluem armas compradas por cidadãos em geral, empresas de segurança privada e algumas categorias especiais, como servidores da segurança pública, magistrados e membros do Ministério Público. Não entram nessa conta os armamentos adquiridos pelas Forças Armadas, por órgãos de segurança pública e pelos colecionadores, CACs (atiradores e caçadores), cujo controle é feito pelo Exército. Ao Comprova, o Exército informou que o número de armas liberadas para os CACs também vem crescendo –33,47% entre 2018 e 2019. Até agosto de 2020, 75.202 novas armas foram autorizadas para os CACs, número praticamente igual ao verificado nos 12 meses de 2019.

Enquetes x pesquisas

No texto verificado, o site Terra Brasil Notícias afirma ainda que uma enquete realizada pelo próprio portal teria mostrado o apoio da população à posse e ao porte de armas. Uma enquete, porém, é um levantamento com pouco rigor metodológico, que mede apenas as opiniões daqueles que responderam as questões. Ela difere de uma pesquisa, que usa métodos estatísticos para representar o pensamento de toda a população.

Para isso, a proporção de homens e mulheres e as diferentes faixas de idade e de renda do público que responde a pesquisa devem ser equivalentes às da população que ela busca representar. Em junho de 2019, uma pesquisa do Ibope mostrou que 73% dos brasileiros são contra a flexibilização do porte de armas. Um mês depois, outra pesquisa feita pelo instituto Datafolha mostrou que 66% dos brasileiros são contra a posse de armas e 70% rejeitam a flexibilização do porte de armas.

Verificação

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova monitora e verifica conteúdos sobre a pandemia do novo coronavírus, eleições municipais de 2020 e políticas públicas do governo federal que podem causar desinformação nas redes sociais. É o caso do conteúdo em questão que engana ao relacionar erroneamente o aumento no número de registro de armas de fogo à diminuição dos homicídios no Brasil.

Segundo dados da plataforma CrowdTangle, o texto do site Terra Brasil Notícias somava mais de 4,6 mil interações no Facebook, até a data de fechamento deste texto. O link do site também circula no Twitter, com menor viralização e interações. Um conteúdo com as mesmas afirmações também foi publicado na página da organização política Aliança Pelo Brasil no Facebook, recebendo 6,9 mil curtidas e 1,9 mil compartilhamentos.

Com a proximidade das eleições municipais, conteúdos como este podem contribuir negativamente para o debate político brasileiro. Quando a desinformação passa a integrar a gramática da disputa eleitoral, discussões sobre os projetos e agendas dos candidatos são prejudicadas, dificultando a escolha dos eleitores.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos e que induzam a uma interpretação diferente da intenção do seu autor; ou ainda o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

A investigação desse conteúdo foi feita por Estadão, Jornal do Commercio e Nexo e publicada na sexta-feira (25) pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 28 veículos na checagem de conteúdos sobre coronavírus e políticas públicas. Foi verificada por Folha, UOL e GZH.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.