Texto usa dados preliminares para ligar queda de homicídios a aumento de armas de fogo

Site desconsidera diversos aspectos relevantes para correlacionar números

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São Paulo

É enganosa uma publicação segundo a qual o Brasil teve, em 2019, o menor índice de homicídios por armas de fogo desde 1999 e que isso ocorreu a despeito do aumento do número de armas de fogo em circulação.

O texto, verificado pelo Comprova, é baseado em um estudo, de responsabilidade do Cepedes (Centro de Pesquisa em Direito e Segurança, uma organização independente e sem relação com o governo), que compara dados preliminares com dados consolidados –um erro metodológico– e não leva em conta diversos aspectos relevantes para correlacionar números de armas vendidas com números de homicídios.

Os assassinatos com arma de fogo ainda são uma parcela significativa do total de homicídios no Brasil, mas seu crescimento vem desacelerando desde que o Estatuto do Desarmamento entrou em vigor, em 2003. Além disso, especialistas afirmam que o efeito do maior número de armas só poderá ser avaliado a médio e longo prazos.

O autor do artigo do Cepedes não considera nenhum dos aspectos listados acima. A análise se apoia em números oficiais, mas preliminares. O próprio Ministério da Saúde, órgão responsável pelas informações, afirmou que “os dados de óbitos levam dois anos para serem consolidados” e que “não é correto comparar dados fechados com preliminares”.

Os dados consolidados mais recentes disponibilizados pelo DataSUS são referentes a 2018. Eles são utilizados por pesquisas como o Atlas da Violência, feito por especialistas do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), lançado no final do mês de agosto.

Mesa com diversas pistolas e outras armas de fogo que foram apreendidas
Armas apreendidas; segundo o professor Ignacio Cano, 'quanto mais armas circularem no mercado formal, mais armas vão aparecer no mercado ilegal'

Mercado ilegal

Segundo Leonardo Carvalho, do Instituto Sou da Paz, quanto mais armas circulando, mesmo que legalmente, maior a chance de elas irem parar no mercado ilegal. O efeito disso não vai ser visto imediatamente. “Essas armas que estão hoje no mercado legal, de repente são subtraídas e vão parar no mercado ilegal. A vida útil dela vai de 60 a 80 anos."

“Se você tira a arma de circulação, acabou. Mas, enquanto ela está circulando, ela está sendo usada. A gente já viu apreensão de arma da Segunda Guerra Mundial. Com o avanço tecnológico, tem armas com uma vida útil muito grande”, completa Leonardo. Ou seja, o impacto da circulação dessas armas sobre os dados de letalidade ainda vai demorar um pouco a aparecer.

É uma conclusão parecida com a de Jose Ignacio Cano Gestoso, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. “As armas que estão sendo difundidas vão provocar violência a longo e médio prazo. O impacto dessas armas não se mede a curto prazo. Quanto mais armas circularem no mercado formal, mais armas vão aparecer no mercado ilegal e mais baixo vai ser o preço dessas armas no mercado ilegal”, explica.

Verificação

Na terceira fase, o Projeto Comprova verifica conteúdos relacionados à Covid-19 e a políticas públicas do governo federal. Informações falsas ou enganosas como a checada acima são prejudiciais à sociedade e contribuem para uma interpretação distorcida da realidade.

No conteúdo verificado, a relação equivocada entre a queda de homicídios e a alta de registros de armas de fogo pode afetar discussões de temas importantes à sociedade, como segurança pública. Incluindo Facebook e Twitter, as publicações foram curtidas por cerca de 2,5 mil pessoas.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos, que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

A investigação desse conteúdo foi feita por Correio, Poder360, A Gazeta e Estadão e publicada na segunda-feira (28) pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 28 veículos na checagem de conteúdos sobre coronavírus e políticas públicas. Foi verificada por Folha, UOL, GZH e Piauí.

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