Descrição de chapéu Mobilidade Urbana

Alta do delivery expõe necessidade de mudanças na formação de entregadores

A venda de motos em agosto cresceu 12,7% em comparação a julho e alcançou o melhor volume do ano

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Amanda Andrade Diogo Bugalho
Curitiba e Rio de Janeiro

O aumento na demanda pelos serviços de delivery e o crescimento no número de desempregados durante a pandemia geraram uma alta no número de motociclistas nas ruas. A maior visibilidade contribuiu para melhorar a percepção dos motoboys na população, uma vez que esses profissionais continuaram se expondo ao risco de contaminação para fazer entregas a quem pôde e ainda pode se manter em casa.

“Agora o motoboy é visto como uma pessoa do bem, que ajuda o próximo”, declara Matheus Mesquita, 25. Entregador de um supermercado no Rio de Janeiro, ele diz que a oferta de trabalho cresceu.

Ilustração para caderno de mobilidade urbana - Desafio das motocicletas
Kleverson Mariano

Assim como Matheus, o estudante Breno Patrizi, 22, afirma que sem a moto seria mais difícil encontrar uma ocupação neste momento de redução da atividade econômica. Após ser demitido do estágio, Breno passou a fazer da motocicleta sua fonte de renda. Atualmente, trabalha como entregador em Niterói (RJ). “Como recebo na hora, sempre dá para ajudar em casa”, diz.

Segundo o sociólogo especializado em trânsito Eduardo Biavati, apesar da recente explosão no número de motos em circulação, o crescimento das vendas vem desde os anos 2000, como resultado de incentivos à indústria e facilitação do crédito. “Muitas pessoas continuaram longe de poder arcar com um carro, mas conseguiram comprar uma motocicleta.”

Hoje, as motos ultrapassam 28 milhões de unidades e já são mais comuns que os carros em 40% dos municípios, de acordo com os dados do Registro Nacional de Veículos. Segundo dados da Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores), a venda de motos em agosto cresceu 12,7% em comparação a julho e alcançou o melhor volume do ano. As 95.998 unidades comercializadas no mês passado superam em 8,3% agosto de 2019.

Importantes na geração de renda, as motocicletas continuam no topo da lista de acidentes. De acordo com dados do seguro DPVAT (Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre), 79% dos benefícios pagos no 1º semestre deste ano foram destinados a vítimas de acidentes envolvendo motos.

O impacto no sistema de saúde é enorme. Dados do Ministério da Saúde mostram que, de cada dez atendimentos no SUS (Sistema Único de Saúde) por acidente, oito são de motociclistas. Em 2017, segundo a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), o gasto da rede pública com internações de motociclistas acidentados foi de quase R$ 164 milhões.

Marcos Silva (nome fictício), 42, é uma dessas vítimas. Ex-entregador, sofreu um acidente no dia de folga e passou por 13 cirurgias pagas pelo SUS. Desde então, está afastado de qualquer trabalho. “Eu pagava a faculdade com o dinheiro das entregas. Agora, a renda caiu bastante. Não consigo trabalhar por causa das dores e, por andar de muleta, também não consegui renovar o benefício do INSS.”

As condições de trabalho desfavoráveis são um dos fatores que levam a acidentes, segundo Edgar da Silva, presidente da Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil e motociclista há 19 anos em São Paulo. “Um motociclista mal alimentado, com o veículo precarizado, trabalhando por muitas horas, tem como resultado o acidente”, diz. Para ele, porém, a raiz do problema está na formação dos condutores, que pouco aprendem nas autoescolas.

O diretor do Observatório Nacional de Segurança Viária, José Aurelio Ramalho, concorda. “Muitos motociclistas conseguem a habilitação sem estarem preparados”, afirma. Ele considera insuficientes o conteúdo teórico e o treinamento fornecido nos departamentos de trânsito. “É preciso treinar a percepção de risco. Isso se faz com aulas e exames na rua, não adestrando o aluno para passar no teste”, diz.

Apesar dos altos números de acidentes, especialistas afirmam que é possível aproveitar os benefícios das motos, como baixo custo e agilidade, reduzindo os riscos à integridade física dos motociclistas.

Eduardo Biavati, sociólogo especializado em trânsito, lista algumas medidas de cunho viário que poderiam garantir maior segurança, como ruas melhor pavimentadas, iluminação eficiente, ajuste na posição de placas de trânsito e a criação de “bolsões” para separar motos e carros nos semáforos, ideia que já vem sendo implementada em cidades como São Paulo, Rio, Belo Horizonte e Curitiba.

“A moto, isoladamente, não é o problema”, afirma Biavati. O que é preciso, diz, é implantar políticas públicas que efetivamente transformem as motocicletas em aliadas no trânsito. “Diferentemente do que muita gente pensa, o motociclista não é um suicida.”


O conteúdo deste especial foi produzido pelos participantes do Lab 99+Folha de Mobilidade Urbana. Ao longo de dois meses, 30 estudantes do último ano do curso de jornalismo e recém-formados de 21 cidades do Brasil participaram de um programa que envolveu, além de palestras online com especialistas e profissionais da Folha, a elaboração de reportagens com diagnósticos e desafios da mobilidade em tempos de pandemia.

Devido ao risco de contágio pelo novo coronavírus, os integrantes do programa foram orientados a priorizar os canais digitais na produção dos seus trabalhos.

A iniciativa, fruto da parceria da Folha com a empresa de tecnologia em mobilidade urbana 99, busca contribuir para a formação e o aperfeiçoamento de profissionais voltados para a cobertura dessa que é uma das mais urgentes questões no dia a dia das cidades brasileiras. Dentre essas contribuições está a edição inédita do Manual de Jornalismo de Mobilidade Urbana Folha/99, com verbetes específicos sobre o tema.

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