Descrição de chapéu STF

Decisão de Marco Aurélio divide congressistas, que falam de novo em mudança na lei penal

Planalto avalia medida como despropositada e considera que artigo não cabia para soltar chefe do PCC

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Brasília

A decisão do ministro Marco Aurélio Mello (STF) de soltar um dos chefões do PCC (Primeiro Comando da Capital) com base em artigo incluído pelo grupo de trabalho do pacote anticrime opôs deputados neste domingo (11) e foi considerada despropositada pelo Palácio do Planalto.

No Congresso, um grupo ligado ao presidente Jair Bolsonaro e defensor da Operação Lava Jato articula a apresentação de projetos de lei para retirar do Código de Processo Penal o dispositivo que determina que, a cada 90 dias, seja revista a decisão de manter a prisão preventiva de um acusado de crime.

No campo contrário, deputados defendem o dispositivo e argumentam que o objetivo fundamental do texto é impedir que pessoas pobres presas injustamente passem longos períodos encarceradas sem julgamento.

O artigo 316 do CPP foi usado pelo ministro Marco Aurélio na decisão de soltar André de Oliveira Macedo, conhecido como André do Rap, na sexta (9).

O dispositivo, que integra projeto sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro, determina que, a cada 90 dias, seja revista a decisão de manter a prisão preventiva de um acusado de um crime.

O traficante estava preso desde o final de 2019 sem uma sentença condenatória definitiva, excedendo o limite de tempo previsto na legislação brasileira. Ele foi solto na manhã de sábado (10) e é considerado foragido pelo MP-SP (Ministério Público de São Paulo).

Após André do Rap ser solto, o presidente do STF, Luiz Fux, suspendeu a decisão de Marco Aurélio e determinou o retorno imediato do criminoso à penitenciária de Presidente Venceslau, no interior de São Paulo, o que não ocorreu.

O traficante se tornou, então, alvo de uma força-tarefa no estado de São Paulo anunciada por João Doria. No sábado, o governador paulista criticou a soltura de Macedo e disse que além de causar perplexidade, a ação desrespeita o trabalho da polícia.

Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu na noite de domingo (11) a decisão de Marco Aurélio e afirmou que o procurador responsável é quem deveria ser cobrado.

"Sempre se transfere para a política o desgaste e a polêmica. Por que a gente não cobra o procurador, independentemente de ser na primeira ou na segunda instância? Por que ele não cumpriu o papel dele?"

A decisão de soltura foi avaliada como desmedida e despropositada no Palácio do Planalto. Para auxiliares presidenciais, apesar de Marco Aurélio ter se baseado no artigo 316, ​o ministro deveria ter ponderado que, neste caso, tratava-se de um preso de alta periculosidade e que, portanto, não deveria ter sido beneficiado pela previsão legal.

O entorno do presidente também considera que a decisão acaba reforçando o discurso de Bolsonaro sobre a necessidade de ministros de perfil conservador no STF. Para a vaga de Marco Aurélio, que será aberta no próximo ano, o presidente já disse que poderá indicar um pastor evangélico.​

O episódio provocou reações inflamadas de congressistas que defendem um endurecimento do sistema penal brasileiro. A deputada Carla Zambelli (PSL-SP), e​x-vice-líder do governo na Câmara, afirmou que vai apresentar projeto de lei para retirar do CPP a “obrigação do juiz de reavaliar a prisão preventiva a cada 90 dias.”

“Contamos com o apoio da população e dos profissionais da segurança pública”, escreveu em uma rede social.

Relator do texto elaborado pelo grupo de deputados que analisou o pacote anticrime do ex-ministro Sergio Moro (Justiça) e do ministro Alexandre de Moraes, o deputado Capitão Augusto (PL-SP) criticou o dispositivo.

“Lutei muito contra isso, eu avisei que daria problema. Fui vencido no grupo de trabalho e incluíram no relatório contra minha vontade”, afirmou o congressista. "Tudo que ficou de fora do pacote original do Moro e aquilo que foi incluído contra nossa vontade, como essa questão e o famigerado juiz de garantias, vamos tentar reverter ano que vem. É minha bandeira da candidatura para Presidência da Câmara”.

Maia não descartou rediscutir o tema e disse que o artigo pode ser avaliado com "muito cuidado", sem a pressa de "alguns que querem aproveitar para ter uma primeira página de jornal".

"Mas vamos cobrar também do procurador. [...] Se ele tivesse, no prazo de 90 dias, respeitado a lei, certamente o ministro Marco Aurélio não teria liberado o traficante", disse.

Os dois itens citados —revisão da prisão preventiva e o juiz de garantias— foram incluídos pelo grupo de trabalho da Câmara. O presidente Jair Bolsonaro vetou 25 dispositivos na lei anticrime que tinham sido aprovados pelo Congresso, mas manteve os dois criticados pelo parlamentar.

Capitão Augusto, coordenador da frente parlamentar da segurança pública, afirmou que vai protocolar, no Senado, um pedido de impeachment contra o ministro Marco Aurélio. “Não pode ficar barato. Que sirva de lição para os demais”, disse.

Moro também criticou a inclusão do dispositivo na lei anticrime. "O artigo que foi invocado para soltura da liderança do PCC não estava no texto original do projeto de lei anticrime e eu, como ministro da Justiça e Segurança Pública, me opus à sua inserção por temer solturas automáticas de presos perigosos por mero decurso de tempo", afirmou.

O artigo 316 do CPP, porém, é defendido por outra ala de deputados que participaram da construção do texto no grupo de trabalho. “As críticas são completamente despropositadas. A prisão preventiva precisa ser reavaliada periodicamente porque decretada sobre fatos que se alteram ao longo do processo”, afirma o deputado Fábio Trad (PSD-MS).

“Milhares de presos provisórios são esquecidos nos cárceres brasileiros por período de tempo que ultrapassa o razoável. Por isso, o dispositivo impõe a reavaliação fático-jurídica da necessidade da prisão cautelar que, aliás, só deve ser utilizada em casos excepcionais.”

O deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), candidato a prefeito em Belo Horizonte, também defende o dispositivo e afirma que prisão preventiva não é condenação e deve ser reavaliada a cada 90 dias. No entanto, ressalta que, entre os elementos para fundamentar a manutenção da prisão está a periculosidade do agente.

“Não conheço profundamente o caso do André do Rap, mas em minha opinião não haveria razões para soltá-lo”, disse.

Já o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), candidato a prefeito de São Paulo, afirma que a lei não está errada. ​“Infelizmente, o Brasil é um paraíso para quem tem dinheiro. E toda sorte de injustiça acontece contra os pobres”, disse. “Errada está a execução penal que não funciona para os pobres, quase todos pretos, presos sem julgamento.”

Neste domingo, Marco Aurélio defendeu sua decisão de soltar André do Rap. "O juiz não renovou, o MP não cobrou, a polícia não representou para ele renovar, eu não respondo pelo ato alheio, vamos ver quem foi que claudicou", disse o ministro à Folha.

Para Marco Aurélio, a decisão do presidente da corte de revogar o habeas corpus concedido ao traficante é "péssima" para o Supremo. O ministro afirma que a ação de Fux "é um horror". "Sob minha ótica ele adentrou o campo da hipocrisia, jogando para turma, dando circo ao público, que quer vísceras. Pelo público nós nem julgaríamos, condenaríamos e estabeleceríamos pena de morte", disse.​

Reservadamente, ministros avaliam que a corte só saiu perdendo diante das decisões conflitantes de Marco Aurélio e Fux.

A maioria dos magistrados discorda do entendimento adotado por Marco Aurélio e aponta preocupação com o nível de periculosidade do réu em questão.

Esses integrantes do tribunal, contudo, também consideram ruim o fato de o presidente rever despacho de um dos colegas.

Como deu a decisão quando o traficante já havia sido solto, o mais adequado seria remeter o caso ao plenário na sessão seguinte, nem que fosse virtualmente, analisam ministros.

Dentro do STF, porém, há divergências sobre a tese levantada por Marco Aurélio.

Em maio, por exemplo, Edson Fachin rejeitou o pedido de um caso similar ao de André do Rap. O ministro não decidiu pela soltura do acusado, mas determinou ao juiz de primeiro grau que reanalisasse a prisão preventiva em respeito ao artigo 316 do CPP.

Fux também entendeu que não seria o caso de o STF analisar se a renovação da prisão havia sido feita porque o tema não foi analisado pelas instâncias inferiores antes de chegar ao Supremo.

Na decisão, o ministro ressalta que a prisão foi decretada em maio de 2014 pela Quinta Vara Federal da Subseção Judiciária de Santos/SP e só foi cumprida cinco anos depois, em setembro de 2019.

Ao decidir pela prisão de André do Rap, Fux atendeu a um pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República).​

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