Descrição de chapéu STF

'Não passo o Natal aqui dentro', dizia André do Rap a companheiros de cela

Monitoramento por sistema de inteligência do governo de SP indica que pedidos de habeas corpus ao STF eram tema de conversa entre criminoso do PCC

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São Paulo

A concessão de um habeas corpus para o traficante internacional André de Oliveira Macedo, o André do Rap, pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, causou surpresa a muita gente. Mas não para o criminoso, a julgar por conversas monitoradas entre detentos.

De acordo com serviços de inteligência do governo paulista, o chefe do PCC no litoral paulista dizia a colegas de prisão, antes de qualquer manifestação do STF, que seria solto ainda neste ano.

A Folha revelou na sexta (9) a decisão de Marco Aurélio, no início do mês, de soltar Macedo sob a alegação de que ele estaria preso há mais tempo do que a lei permite sem haver sentença condenatória definitiva. Detido desde o fim de 2019, Macedo foi libertado no sábado (10).

O ministro Luiz Fux chegou a suspender a ordem no fim do dia, mas a essa altura o traficante já estava solto em local ignorado e passou a ser considerado foragido.

“Não passo o Natal aqui dentro”, dizia ele a colegas do presídio de segurança máxima de Presidente Venceslau (SP), segundo relatos de integrantes da cúpula da segurança de São Paulo.

André de Oliveira Macedo, conhecido como André do Rap, líder do PCC, ao ser detido em Angra dos Reis
André de Oliveira Macedo, conhecido como André do Rap, líder do PCC, ao ser detido em Angra dos Reis - Arquivo pessoal

O Ministério Público de São Paulo confirma que tem informações de que Macedo, 43, dava como certa sua soltura dele até o final deste ano. Segundo a Promotoria, ele comentava isso com outros presos e, também, com agentes penitenciários que trabalham na unidade prisional.

Uma vez solto, suspeita-se de que o traficante tenha tenha deixado o país, mas isso não é certo. Os serviços de inteligência já apontavam antes mesmo da chegada do alvará de soltura os planos dele de ir para Maringá, no Paraná, e, de lá, seguir para algum país vizinho onde o PCC tem base.

Embora a decisão de Marco Aurélio incluísse a obrigação de informar seu paradeiro, o traficante passou a ser considerado um homem livre num primeiro momento, o que facilitou a fuga.

Policiais civis ouvidos que participam das buscas de André do Rap afirmaram que eles estão nas fases iniciais para localizar o foragido. Segundo esses policiais, não é certo nem mesmo que o traficante tenha deixado o país.

A polícia dá como certo, porém, que ele tenha deixado o estado. Os policiais consideram muito difícil encontrá-lo rapidamente, porque, além de dinheiro, Macedo tem uma rede de apoio de criminosos em todo o país e, como chefe do PCC, pode encontrar regalias em qualquer unidade da federação.​

Integrantes da cúpula da gestão João Doria (PSDB) também viram nas roupas usadas pelo criminoso ao deixar a prisão —calça e camisa brancas— uma referência debochada a “saída pela porta da frente”, ou “fugir sem precisar sujar a barriga”.

De acordo com integrantes da segurança pública ouvidos pela Folha, não é a primeira vez que presos do PCC são flagrados pelos serviços de inteligência do governo paulista conversando sobre habeas corpus a serem concedidos por ministros do Supremo.

Em uma das conversas monitoradas, os criminosos discutiam a necessidade de agilizar o ingresso de pedidos de soltura porque o ministro, cujo nome não mencionaram, se aposentaria em meados de 2021. Em 12 de julho do próximo ano, Marco Aurélio completará 75 anos e precisará aposentar.

Entre os diálogos mais importantes está um que envolve o traficante Valter Lima Nascimento, o Guinho, preso em setembro de 2019. Condenado a 20 anos de prisão, ele é suspeito de também integrar um grande esquema internacional de tráfico de drogas do PCC, liderado por Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, preso em abril deste ano em Moçambique.

Nas conversas monitoradas pelo governo paulista no início do ano, o criminoso indicava a necessidade do pagamento de R$ 3 milhões para impetrar um habeas corpus no STF. Os outros criminosos do PCC nessa conversa aconselharam Guinho a pagar, porque, segundo eles, valeria a pena.

Não há detalhes de quem seria o destinatário desse pagamento ou se ele cobriria honorários de advogados.

Em 14 de abril deste ano, o ministro Marco Aurélio concedeu a liminar mandando soltar esse preso. Na oportunidade, também utilizou o artigo 316 do Código de Processo Penal, que fala na necessidade de rever a prisão a cada 90 dias –o mesmo argumento jurídico usado para soltar André do Rap.

“Levando-se em conta a soma dos lapsos, tem-se que a prisão preventiva perfaz 1 ano, 4 meses e 2 dias. Uma vez inexistente ato sobre a indispensabilidade da medida, tem-se desrespeitado o artigo 316, parágrafo único, surgindo configurado o excesso de prazo”, disse o ministro sobre o pedido de Guinho.

Essa decisão que beneficiou Nascimento foi derrubada em setembro pela Primeira Turma do STF, nos termos do voto do ministro Alexandre de Moraes, redator para o acórdão, vencidos os ministros Marco Aurélio, relator, que deferia a ordem, e Dias Toffoli, que deferia parcialmente o pedido.

Além de Guinho, o ministro Marco Aurélio também mandou soltar outros criminosos ligados ao PCC, como Moacir Levi Correia, conhecido como Bi da Baixada, condenado a 29 anos, 3 meses e 16 dias de prisão por associação criminosa e duas tentativas de homicídio. O motivo também foi excesso de prazo da prisão sem sentença condenatória definitiva.

Pelo menos mais outros dois criminosos ligados ao PCC, Robson Godoy da Silva, assaltante de carro fortes, e Odemir Francisco dos Santos, o Branco, também conseguiram HC do ministro no ano de 2019. Ao menos uma dessas liminares foi revertida posteriormente.

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