Por falta de mandado, juiz de SP solta grupo detido com 130 kg de maconha dentro de veículo

Suspeitos foram presos em flagrante vindo com droga do Paraguai; Ministério Público recorreu da decisão por considará-la sem o "mínimo de razoabilidade"

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São Paulo

Na noite da última sexta (23), em patrulhamento de rotina, integrantes de uma equipe da Polícia Rodoviária de São Paulo perceberam que ocupantes de um Fiat Uno ficaram nervosos ao avistarem a viatura da PM, às margens da rodovia Marechal Rondon, em Guararapes (545 km da de SP).

Durante revista no interior do veículo, os PMs encontraram um homem, duas mulheres, duas crianças —uma delas com três meses— e 133 quilos de maconha, que estavam escondidos no porta-malas, estofados e sob os carpetes. Encaminhados ao distrito policial, os três foram autuados em flagrante por tráfico de drogas.

Horas depois, porém, ao analisar o caso durante o plantão judiciário, o juiz Marcílio Moreira de Castro determinou a soltura de todos os suspeitos por considerar a prisão ilegal. Segundo o magistrado, a abordagem do veículo ocorreu sem um mandado de busca e apreensão e, assim, trata-se de um constrangimento ilegal.

Em sua decisão, o magistrado afirma que os policiais não deixaram claro quais eram as “fundadas suspeitas” que os levaram a decidir pela abordagem e, para ele, certo “grau de nervosismo” seria muito vago, referindo-se ao texto do boletim de ocorrência.

Em razão da pandemia da Covid-19 não estão sendo realizadas as audiências de custódia. Assim, o magistrado não tem contato com as partes e decide virtualmente.

“Não consta nos autos que o motorista do Fiat Uno abordado tenha praticado qualquer infração de trânsito. Não consta que eles estivesse [sic] em excesso de velocidade ou que tenha realizado manobras evasivas suspeitas”, diz trecho da decisão do juiz.

“Os policiais apenas atestam um genérico e indefinido ‘grau de nervosismo’. Um certo grau de nervosismo" não configura ‘fundada suspeita’, quando totalmente isolado nos autos (art. 244, CPP)”, diz o magistrado na decisão assinada no sábado (24).

Na tarde desta terça-feira (27), o Tribunal de Justiça de SP, atendendo a recurso da Promotoria, reverteu a decisão do juiz de 1ª instância e determinou a expedição ordem de prisão. Agora, os policiais precisarão tentar localizar os suspeitos: dois deles são de Rondônia e outra, de MS (leia mais abaixo).

POLICIA MILITAR
Tabletes com 133 quilos de maconha apreendidos pela Polícia Militar em Guararapes, interior de São Paulo; juiz mandou soltar suspeitos porque PMs não tinham mandado de busca - Divulgação/Policia Militar

Castro districha a atuação dos policiais em mais de 60 pontos. Critica, entre outros aspectos, o fato de os PMs citarem que, em certas circunstâncias, criminosos utilizam famílias para o transporte de drogas.

“[Algo] relativamente comum, acontecendo algumas vezes onde [sic] o traficante para dificultar/ludibriar a fiscalização, coloca crianças no carro simulando uma família em viagem”, diz trecho do boletim de ocorrência analisado pelo juiz.

“Ora, o Brasil é República democrática, não se admite que a força policial, sob mínimas suspeitas de caráter subjetivo, pare uma família inteira em via pública, em automóvel, e pergunte invasivamente de onde estão vindo e para indo iriam. O cidadão é livre para se locomover livremente, sem precisar prestar esclarecimentos a qualquer policial militar” diz a decisão do magistrado.

O magistrado continua afirmando, ainda, que não havia investigação da PM ou da Polícia Civil que indicasse ser aquele um veículo suspeito, não utilizaram cão farejador e não conseguiram testemunhas para apresentar no distrito.

“Inadmissível pretender-se combater o tráfico de drogas sem absoluto respeito pelos direitos constitucionais do cidadão. A ilegalidade do flagrante, portanto, é a única solução aceitável, do ponto de vista legal e constitucional”, diz a decisão.

O magistrado não cita na decisão o trecho no qual o motorista teria admitido aos policiais que receberia R$ 15 mil para transportar a droga de Ponta Porã (MS), divisa com o Paraguai, até Ribeirão Preto.

Os suspeitos foram soltos, mas a droga continua apreendida porque o processo terá continuidade.

O Ministério Público recorreu da decisão. Para o promotor Cláudio Rogério Ferreira, a argumentação de que a busca pessoal não poderia ter ocorrido “não convence”.

“Exigir expedição de mandado de busca ou mesmo qualquer outro requisito que afete o estado de flagrância não encontra um mínimo de razoabilidade e proporcionalidade. Ademais, as drogas foram encontradas no interior do veículo. Não houve qualquer constrangimento ilegal que pudesse defender o raciocínio exposto na decisão hostilizada”, diz.

O mesmo promotor recorre de duas outras decisões do magistradas, também concedidas durante o plantão judiciário do final de semana, envolvendo tráfico de drogas. Um dos suspeitos estava vendendo drogas em uma esquina com 109 porções de maconha (272 gramas).

Outro suspeito, preso em um ônibus, estava com dois tijolos de cocaína, em forma de crack, pesando pouco mais de 2 kg, bem como 998 porções de cocaína, em forma de crack, pesando 807,83 gramas.

O magistrado mandou soltar todos também alegando falta de ordem judicial para realização das buscas e, também, uma jusfificativa plausível para realizaçao de abordagem.

"Para o Ministério Público, tais decisões são inaceitáveis. Não encontram qualquer fundamentação jurídica, e tratam-se de uma ofensa à sociedade como um todo, que vem suportando todas as consequências de uma criminalidade exacerbada. Tão logo o Ministério Púbico teve conhecimento das decisões, tomou as providências que lhe cabia para revertê-las”, diz o promotor.

A Promotoria conseguiu reverter duas das três decisões do juiz.

Para o criminalista Roberto Delmanto Junior, o tema sobre abordagens de veículo é polêmico. Nos EUA, segundo ele, a polícia tem uma necessidade de justificar detalhadamente uma abordagem.

“O tema é super polêmico, o código é hiper vago. E nessa vagueza do código, o que exatamente é uma fundada suspeita, que ocorre o arbítrio”, diz o advogado.

TJ

Na tarde desta terça (27), o desembargador Farto Salles, do Tribunal de Justiça de São Paulo, determinou a suspensão da ordem do magistrado Castro e expediu ordem de prisão contra os suspeitos. Para o magistrado de segunda instância, não há nenhuma ilegalidade na ação policial.

Os suspeitos estavam nervosos e, ao serem entrevistados pelos policiais separadamente, deram versões conflitantes sobre o destino do grupo, o que reforçaria a fundada suspeita -- "algo injustificavelmente desprezado em primeiro grau"_ e dava autorização para a revista.

" A prevalecer o posicionamento objurgado, estar-se-ia conferindo salvo-conduto a traficante que, sob o pálio de condutor de veículo (que não se confunde com o domicílio do cidadão) em via pública, poderia transportar entorpecentes livremente pelo Estado, imune a abordagens ou revistas policiais [...]", diz trecho da decisão de Salles.

O desembargado ressalta ainda que no plantão judicial nem caberia ao magistrado a análise de provas. "Aliás, por se tratar de análise prefacial própria do recebimento do auto de prisão em flagrante, sequer caberia ao juiz plantonista realizar análise fática mais aprofundada ou mesmo questionar o 'grau' de nervosismo demonstrado pelos agentes, situação a ser melhor perquirida pelo juiz natural da causa, perante o contraditório judicial e mediante indagação mais específica dos policiais a respeito da situação do flagrante", afirma.

Por fim, o desembargador afirma que não pode desprezar ainda o fato de que os suspeitos usaram os próprios filhos, um de 1ano e 10 meses e, outro, com apenas 3 meses de vida, "com a provável intenção de ludibriar a ação policial, daí a necessidade de decretação da custódia para garantia da ordem".

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