TJ de SP modifica decisão de juíza investigada e manda PMs a júri popular

Magistrada havia criticado sociedade por desconfiar de policiais suspeitos de matar inocente pelas costas e simultar atentado ao prédio da Rota

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São Paulo

O Tribunal de Justiça de São Paulo reformou nesta quarta (30) a decisão da juíza Débora Faitarone, do 1º Tribunal do Júri da capital, que absolvia sumariamente dois policiais suspeitos de simular um atentado contra o prédio da Rota (tropa de elite da PM), em 2010, e matar um inocente com tiros pelas costas.

Faitarone é conhecida por decisões favoráveis a PMs, como a que beneficiou os policiais que atiraram em um menino de dez anos no Morumbi, em 2016. A magistrada –que, em suas redes sociais, era seguidora do clã Bolsonaro– já foi fotografada no próprio quartel da Rota (local onde trabalhavam os suspeitos) imitando uma arma com os dedos.

Na absolvição sumária dos ex-policiais da Rota Jorge Inocênio Brunetto e Sidney João do Nascimento, reformada nesta quarta, a magistrada desprezou, de acordo com o TJ, informações importantes como os laudos periciais e depoimento da delegada responsável pela investigação, Cíntia Tucunduva Gomes, que contrariavam a versão apresentada pelos policiais.

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A juíza Debora Faitarone posa para foto com o hoje senador Major Olímpio (PSL) - Luis Adorno/UOL/Folhapress

Quando há dúvidas razoáveis contra os réus, diz o TJ, na fase de pronúncia a dúvida deve ser em beneífio da sociedadade e não do suspeito. Na dúvida, são os jurados que devem decidir.

Os PMs alegam terem agido em legítima defesa. Segundo eles, o ex-presidiário Frank Ligieri Sons, 33, irmão de um ex-PM, foi até o prédio Rota para praticar atentado. Estava com uma pistola e uma garrafa de vidro na mão, supostamente para atirar contra o prédio, como coquetel molotov. Os policiais teriam tentado deter o suspeito, mas foram atacados.

Desde o início a família não acreditou nessa versão. Primeiro, porque Sons não tinha dinheiro para comprar armas, estava viciado em drogas, e, também, porque motivo nenhum tinha ele para praticar tal ato, até por ser irmão de um ex-PM.

A perícia também não encontrou nada com ele que pudesse acender o coquetel (que não funciona sem fogo) e provou que o suposto tiro disparado por ele no prédio tinha uma trajetória impossível de ser encaixada na versão contada pelos PMs.

Até mesmo o governo paulista não acreditou na história contada pelos PMs. Além de um relatório sigilo da Polícia Civil, obtido pela Folha, o então secretário da Segurança Antonio Ferreira Pinto classificou a versão como “bisonha”.

Na decisão maio de 2019, quando absolveu sumariamente os PMs, a magistrada defendeu os policiais e lamentou a “triste realidade” da sociedade que coloca em dúvida a palavra de um PM.

“E isso se deve ao fato de que, infelizmente, vivemos em uma sociedade na qual a palavra de um criminoso vale mais, inclusive para algumas autoridades da segurança pública, do que a palavra de dois policiais militares, com 20 anos de corporação e cujos superiores, quando ouvidos em audiência, atestaram a idoneidade e comprometimento deles com a função”, diz trecho da decisão da magistrada.

Para o desembargador Osni Pereira, relator do processo, o exame das provas produzidas leva à conclusão de que a pronúncia dos acusados é decisão que se impõe.

Ele afirma que a versão apresentada pelos apelados não está em “consonância com a reprodução simulada dos fatos e pelos demais laudos periciais”. Também cita fala da delegada Cíntia, de que a “versão apresentada pelos apelados não condizia com a realidade dos fatos”.

“Ademais, embora a tese da excludente de ilicitude (legítima defesa) apresentada pelos policiais seja defensável, é certo que a competência para acolhê-la ou não é do Conselho de Sentença, competindo ao magistrado somente reconhecê-la quando for estreme de dúvidas, o que não é o caso dos autos”, afirmou o magistrado em sua decisão.

Para a advogada Roselle Soglio, que representa a família da vítima como assistente da acusação, a decisão do Tribunal de Justiça é acertada na medida que deve ser o júri, formado por pessoas do povo, quem deve decidir em casos de homicídio doloso. “É o tribunal do júri que deve decidir, não ela. Depois de dez anos a Justiça começa a ser feita. Já passaram dez anos do fato e só agora temos uma decisão”, afirmou ela.

A Folha tenta contato com a defesa dos suspeitos.

A magistrada foi afastada das funções pelo próprio Tribunal de Justiça de São Paulo por uma série de problemas de comportamento no trabalho.

O afastamento cautelar da magistrada durante a tramitação do processo administrativo disciplinar foi determinado “diante de risco de prejuízos aos serviços cartorários e instrução do processo administrativo, havendo indícios suficientes a demonstrar as condutas narradas, algumas confessadas pela própria juíza”.

Segundo o TJ, há uma série de motivos para o afastamento dela, mas entre eles não está o possível favorecimento de policiais militares. Entre as possíveis irregularidades apontadas estão delegação de atribuições próprias do juiz corregedor para uma escrivã, resistência às ordens da Corregedoria Geral da Justiça e descumprimento do “dever de urbanidade” em relação a integrantes do Ministério Público e da Defensoria Pública, juízes auxiliares da 1ª Vara do Júri e funcionários.

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