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Violência, criminalidade e pandemia

Confinamento pode ter impactado crimes contra a mulher e dinâmica do mercado ilícito de drogas

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São Paulo

A segurança pública, o crime e a violência não escaparam das múltiplas influências da pandemia da Covid-19 no Brasil e seu vai-não-vai nas medidas de prevenção e distanciamento social.

Ainda é cedo para determinar relações de causa e efeito entre as mudanças de comportamento e os índices de criminalidade. Alguns dados do Anuário de Segurança Pública sugerem, no entanto, que uma coisa influenciou a outra de forma direta ou inversa.

No caso da violência contra a mulher, por exemplo, que fica mais exposta a seu agressor em condições de confinamento doméstico, estudos internacionais apontaram para uma maior incidência de agressões em países como França e China na pandemia.

No Brasil, houve redução de 9,9% dos registros de agressão e violência sexual, aqueles que dependem da presença da vítima na delegacia para efetuar o boletim de ocorrência e os exames periciais —uma condição que parece ter sido sensivelmente prejudicada durante a pandemia.

Ao mesmo tempo, aumentaram em 3,8% as chamadas para o 190 para casos de violência doméstica, em 1,9% os registros de feminicídio e em 0,8% os de homicídio doloso com vítimas do sexo feminino.

O descompasso entre a tendência internacional e a oscilação negativa desse registro formal pode indicar dificuldades enfrentadas pelas vítimas em obter ajuda, por medo ou pela ausência de mecanismos de denúncia e atendimento adequados ao novo contexto.

“As mulheres estão com dificuldade para pedir ajuda, que é o primeiro passo para sair da situação de violência. Quando vira caso de polícia, é porque tudo já deu errado”, diz Mafoane Odara, do Instituto Avon, que coordena da Coalizão Empresarial pelo Fim da Violência Contra Mulheres e Meninas.

Já os crimes contra o patrimônio seguiram, durante a pandemia, a trajetória de queda apresentada entre 2018 e 2019. Pode ser efeito da diminuição na circulação de pessoas em todo o país. Mas, se atribuirmos a redução de crimes contra o patrimônio à diminuição da presença de pessoas nas ruas, por que esse mesmo contexto não derrubou também o número de mortes violentas intencionais?

No primeiro semestre de 2020, essa categoria aumentou 7,1%, o que significa uma pessoa morta a cada 10 minutos mesmo sob a pandemia.

Neste contexto, a morte de policiais teve aumento de 19,6%, e as mortes em decorrência de intervenção policial tiveram crescimento de 6% em relação ao primeiro semestre de 2019.

Vale lembrar que desde 5 de junho o STF suspendeu as operações policiais em comunidades do RJ durante a pandemia, salvo em casos “absolutamente excepcionais”.

A medida interrompeu uma trajetória crescente de mortes decorrentes de intervenção policial no estado e foi provocada por entidades e coletivos que atuam nos territórios de favelas do Rio e que se organizaram após o assassinato do menino João Pedro Mattos, 14, baleado nas costas dentro da casa de seus tios durante uma operação policial.

Entre as hipóteses levantadas para o aumento das mortes estão mudanças nas dinâmicas criminais decorrentes dos rearranjos impostos aos mercados ilícitos pela pandemia, especialmente ao de drogas, o que pode ter acirrado conflitos.

A pandemia alterou tanto a logística de abastecimento internacional das redes de tráfico de drogas como sua relação com os usuários, em parte confinados.

A diminuição da oferta de voos por conta da disseminação do novo coronavírus parece ter deslocado partes dos carregamentos para o transporte terrestre.

O resultado foi uma diminuição da incidência do crime de tráfico (-8,5%) e nos registros de posse e uso (-10,5%) e, ao mesmo tempo, um notável aumento no volume de substâncias ilícitas apreendidas pela PRF, da ordem de 128% no caso da maconha e de 57% no caso da cocaína.

A redistribuição das rotas de tráfico, sua migração para a estradas e a menor quantidade de tráfego nas rodovias por conta da pandemia pode explicar esse forte aumento no volume de drogas apreendidas.

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