Polícia diz que apurará motivação racial em assassinato de Beto Freitas no Carrefour

Para o pai da vítima, a brutalidade indica que agressão tem a ver com racismo

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Porto Alegre

A delegada responsável pela investigação do homicídio de Beto Freitas, Roberta Bertoldo, afirmou à Folha que não era possível ainda definir se o crime teve motivação racista, mas que isso seria apurado.

Segundo a chefe da Polícia Civil, Nadine Anflor, embora seja impossível negar que o racismo estrutural exista, é precoce neste momento elucidar o caso, e afirmou que a motivação está sendo investigada.

"É obvio que racismo estrutural existe", disse Anflor, acrescentando que a autuação em flagrante se deu pelas condutas imediatamente identificadas.

"Neste momento, o que temos é um homicídio, em princípio com três qualificadoras: motivo fútil, impossibilidade de recurso de defesa da vítima e a causa da morte por asfixia. É o que foi possível identificar pelos vídeos e informações colhidas até o momento”, disse.

“Se, na sequência da investigação, reunirmos elementos que comprovem que a motivação do crime está relacionada a uma questão de discriminação racial, pelo fato de a vítima ser um homem negro, na conclusão do inquérito a qualificadora de motivo fútil será alterada para motivo torpe. É a forma legal prevista na Legislação para responsabilização desse tipo de conduta.”

Bertoldo afirmou que a questão racial será apurada no contexto do inquérito. Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, crime de racismo é um enquadramento específico. “Atinge uma coletividade indeterminada de pessoas, discriminando a integralidade de uma raça, cor ou etnia, conforme o artigo 20 da Lei 7.716 de 1989.”

Em 2019, 3 de cada 4 pessoas vítimas de homicídio ou latrocínio eram negras, segundo dados do anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O Atlas da Violência elaborado pelo fórum com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mostra que os homicídios de pessoas negras no país aumentaram 11,5% de 2008 a 2018, enquanto os de pessoas não negras caíram 12,9% no mesmo período.

Nesta sexta (20), Dia da Consciência Negra, o vice-presidente Hamilton Mourão lamentou o espancamento de João Alberto, mas, assim como a delegada, também disse que não considerar que o episódio tenha sido provocado por racismo.

Questionado sobre se considerava que o episódio mostrava um problema de racismo no Brasil, Mourão respondeu: "Não, para mim no Brasil não existe racismo. Isso é uma coisa que querem importar, isso não existe aqui. Eu digo para você com toda tranquilidade, não tem racismo."

João Alberto Silveira Freitas era conhecido como Beto. “Ele ganhou esse apelido da madrinha com um aninho de idade", disse o pai dele, João Batista Rodrigues Freitas, 65, à Folha.

Para o pai, o assassinato do filho foi um episódio de racismo. “Foi um episódio de racismo. Basta ver a força da agressão. Primeira coisa que perguntei foi: ele estava roubando? Se não estava, por que ser agredido? E por que ser agredido brutalmente pelos seguranças? Aliás, não posso chamá-los de seguranças, porque isso desmerece os profissionais que são seguranças de verdade”, disse à reportagem.

Amigos de Beto relataram à reportagem que o ambiente do mercado era hostil aos clientes torcedores do clube de futebol São José, nos arredores do Carrefour. "Geralmente, quando ia no mercado, o segurança já começava ficar olhando de cara feia pra gente, já tinha discriminação contra nós. Pegaram ele sozinho e agiram daquela forma", disse o amigo Carlos Eduardo Borges Carneiro.

O corpo de João Alberto seria velado a partir das 8h deste sábado (21) no cemitério São João, no bairro Iapi, onde o sepultamento deve ocorrer às 11h.

Um protesto será realizado nesta sexta às 18h em frente ao local onde ocorreu o crime. No final da manhã, um grupo protestou em frente ao mercado. O Dia da Consciência Negra não é feriado na capital gaúcha.

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), lamentou o assassinato e disse que as circunstâncias estão sendo apuradas.

“Hoje é o #DiadaConsciênciaNegra. Infelizmente, nesta data em que deveríamos celebrar políticas públicas e avanços na luta por igualdade racial, deparamos com cenas que nos deixam indignados pelo excesso de violência que levou à morte de um cidadão negro”, escreveu Leite em uma rede social.

O caso já tem sido comparado com o assassinato de George Floyd, um homem negro morto por sufocamento nos Estados Unidos em uma abordagem policial. “Não consigo respirar”, disse Floyd, enquanto era contido.

No caso de Freitas, os seguranças chegaram a ficar em cima dele, nas costas, segundo a delegada do caso. Este tipo de contenção dificulta a respiração.

“Foi verificado junto à perícia que provavelmente ele tenha morrido por asfixia ou ataque cardíaco. Os dois seguranças que agrediram ficaram em cima dele, aquilo dificultou a respiração dele", disse Bertoldo à Folha.

"Quando falamos em asfixia não significa necessariamente estrangulamento, mas aquela forma de contenção de ficar em cima dele fez com que tivesse dificuldade de respirar e pode ter ocasionado um ataque cardíaco. Aguardamos o laudo oficial, mas são indícios preliminares a partir de sinais identificados pela perícia no corpo dele."

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