Desta vez, a sociedade amparou a vítima, diz criadora do podcast Praia dos Ossos

Para Branca Vianna, que remontou a morte de Ângela Diniz pelo namorado em 1976, mobilização por Mariana Ferrer é um progresso

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São Paulo

Assim que tomou conhecimento dos vídeos que mostram a audiência do caso da influencer digital catarinense Mariana Ferrer, Branca Vianna imediatamente lembrou-se do julgamento em 1979 do assassinato da socialite mineira Ângela Diniz pelo namorado Doca Street.

“Nos dois casos, o que temos em comum é a ideia de que a vítima, a mulher, é culpada pelo crime que foi cometido contra ela”, diz Vianna. Ela é idealizadora e apresentadora do podcast Praia dos Ossos, da Rádio Novelo, que conta a história de Ângela, morta com quatro tiros em uma casa em Búzios (RJ), em 1976.

No julgamento de Doca, assim como no do empresário André de Camargo Aranha, a quem Mariana Ferrer acusa de tê-la estuprado em um clube de luxo há dois anos, a reputação da vítima foi questionada pelos advogados de defesa.

Ângela Diniz foi acusada de ser adúltera, usuária de drogas, libertina e vulgar como forma de justificar o crime cometido pelo namorado.

No caso de Mariana, Ferrer o advogado de defesa, Cláudio Gastão da Rosa Filho, exibiu cópias de fotos sensuais produzidas pela jovem quando era modelo para reforçar o argumento de que a relação foi consensual e para descredibilizá-la. Também afirmou que “jamais teria uma filha do nível” dela.

Doca foi condenado a dois anos, mas, como já havia ficado sete meses preso, respondeu o restante da pena em liberdade. Já Aranha foi absolvido em 9 de setembro pelo juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis.

“Isso é resultado do machismo estrutural da sociedade brasileira que aceita esse argumento de que a mulher foi sedutora, de que ela provocou, e que essa conduta causou a própria morte ou causou o próprio estupro, o que é uma ideia absurda”, diz Vianna.

O empresário André de Camargo Aranha e a influencer Mariana Ferrer - Reprodução

Vianna, que também é fundadora e presidente da Rádio Novelo, relembra que nos três anos entre a morte de Ângela Diniz e o julgamento de Doca construiu-se uma imagem de que ele era um homem apaixonado, um “herói romântico”, que matou por amor.

O crime era tão aceito pela sociedade, segundo ela, que um restaurante criou um drinque que vinha acompanhado de quatro balas, em alusão aos tiros que mataram Ângela.

“Mesmo após ser condenado, ele saiu ovacionado do tribunal, dando entrevistas em que dizia ter destruído a vida dele também”, conta.

Já no caso de Mariana Ferrer, Vianna vê uma importante mudança na maneira como as pessoas se posicionaram em relação ao crime.

“A sociedade ficou do lado dela. Acho que é uma evolução. É um progresso muito grande que, hoje em dia, quando uma coisa dessas acontece e é divulgada, a reação da sociedade seja a favor da vítima. Por isso não devemos ficar desesperançosos.”

“Eu espero que essa repercussão tenha um efeito positivo na vida dela [Mariana]. No caso da Ângela, a família dela ficou muito abandonada após o crime, sofreu muito. Ela foi vilipendiada, foi atacada, e a repercussão na família dela foi brutal. Já Mariana está sendo defendida, muito defendida”, completa.

Para Vianna, um fator determinante para mobilização da opinião pública foi Mariana ter tornado o caso público em suas redes sociais.

“Ela é muito corajosa. Impressionante como ela sofreu e teve coragem de denunciar o estupro, mesmo sabendo que seria exposta, que revirarariam a vida dela, porque o estupro é um crime muito difícil de provar.”

Vianna lamenta que o machismo ainda influencie instituições como o Judiciário. “O estupro é um crime muito brutal que deixa marcas profundas. Não dá para a gente exigir que todas as vítimas tenham a coragem dessa jovem. Nem todo mundo vai ter essa capacidade de se expor. Por isso, o sistema tem de acolher. O problema não é só o cara que estuprou. É o juiz, o advogado. Eles são sintomas desse machismo sistêmico”, diz.

Mesmo achando importante a mobilização em favor de Mariana, Branca Vianna acha que a absolvição do empresário acusado do crime pode desencorajar outras vítimas a fazerem denúncias.

“É muito raro um caso de estupro em que você tenha tantos elementos quanto os que Mariana conseguiu reunir. Ela foi na polícia, tem o exame de corpo de delito, o DNA, mensagens para amigos e, mesmo assim, ele não foi condenado. Isso é muito assustador. Toda mulher tem medo de estupro e a maioria já passou por ao menos um momento na vida em que sentiu esse medo real. Com essa sentença, o medo aumenta muito.”

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