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Famílias de vítimas de Covid-19 aproveitam Finados para concluir despedida de parentes em SP

Feriado foi usado para homenagens, orações e limpeza nas necrópoles paulistas reabertas com regras por causa da pandemia

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São Paulo

No terreno íngreme do cemitério Jardim São Luiz, na periferia da zona sul paulistana, a família de Francisco Pereira de Oliveira, 86, rezava um terço.

Na manhã desta segunda-feira (2), Dia de Finados, foi a primeira vez que os 16 integrantes dos Oliveira
–entre eles, a viúva, os filhos e os netos de Francisco– conseguiram se reunir para homenagear o idoso, morto por Covid-19.

“As famílias que perderam um ente querido para a Covid-19 carregam uma sensação de vazio por causa da despedida que não aconteceu. Meu pai foi um homem que trabalhou a vida inteira e, no seu último dia, não conseguiu nem ser enterrado com a roupa que ele mais gostava”, afirma a filha Maria do Socorro, 56.

“Como os demais, meu pai foi colocado dentro de um saco preto”, conta, chorando, a filha.

Este Finados, ainda em plena pandemia, ganhou mais importância para as famílias dos 160 mil brasileiros mortos pela doença causada pelo novo coronavírus.

Com a maioria dos cemitérios reabertos Brasil afora, elas puderam voltar pela primeira vez ao lugar onde enterraram seus familiares às pressas para fechar o ciclo da despedida.

“Rezar esse terço hoje nos conforta e fecha uma etapa de muita dor, sofrimento e saudade. Era algo que a gente queria muito ter feito para ele no dia de seu falecimento”, conta Ana Cleide de Coutinho, 39, uma das netas de Francisco.

O São Luiz, local marcado por enterrar vítimas de homicídios da zona sul paulistana, virou neste ano um dos lugares mais demandados para os que perderam a vida para o coronavírus.

A técnica de enfermagem Solange Teodoro dos Santos, 51, se assustou na manhã desta segunda com a situação do terreno onde foi enterrado o marido, o vigia José Alípio Ribeiro dos Santos, 56, também morto por Covid-19.

“Não existia quase nenhuma cova ocupada. Agora olha para isso”, apontava ela com o dedo para o espaço tomado de sepulturas.

A quadra 14 onde ela estava acompanhada da filha, Suellen Ribeiro dos Santos, 27, foi apelidada de Covidário, pela concentração de vítimas da Covid-19 enterradas ali.

Sobre o túmulo de José Alípio, que fez parte da equipe de segurança do campus da USP no Butantã, mãe e filha tiveram tempo necessário para plantar dois vasos de flores e fazer uma oração, finalmente, de despedida.

“O que vai ficar na minha lembrança foram os 31 anos de convivência e os filhos maravilhosos que ele me deu”, diz a técnica de enfermagem.

Nessa mesma quadra, a mulher, a filha e a sogra de Alaete Francisco de Oliveira, 67, rodeavam o túmulo do motorista e choravam. Ele não morreu por Covid-19, mas por medo de procurar ajuda médica e ser infectado pelo coronavírus quando sentiu fortes dores no peito, em agosto.

“A situação do meu pai é inversa. Ele foi uma das milhares de vítimas que morreram por causa da pandemia, mas sem ter contraído o vírus”, diz a filha, a fisioterapeuta Mirtes Francisca Gomes de Oliveira, 28 sobre o pai, morto por infarto.

Muita gente esteve no São Luiz na manhã desta segunda. O espaço mais concorrido foi o Cruzeiro, onde os frequentadores se aglomeravam para acender vela aos seus entes queridos.

Na entrada do cemitério, uma tenda de fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus também era usada para orações.Do lado de fora, bem próximo aos acessos, bancas de flores ocupavam as calçadas.

Flanelinhas não descansaram e conseguiram faturar suas gorjetas achando vagas de estacionamento nas ruas próximas das entradas já tomadas de carros.

Lapa esvaziada

Situação oposta ocorreu no cemitério da Lapa, na zona oeste da capital paulista. Havia mais gente trabalhando na lavagem dos túmulos do que familiares em visitas aos seus mortos.

Do lado de fora, Eliana Batista de Queiroz, 26, sofria para vender velas e flores na entrada principal da necrópole. "Eu nem tive concorrência hoje para você ver", disse ela.

Já do lado de dentro, Ariana Vieira da Silva, 36 comemorava o dinheiro recebido pela lavagem do segundo túmulo na manhã desta segunda com a ajuda da filha, Yasmin, 7. Ela cobrava R$ 40 pela limpeza de cada sepultura. “Esse dinheiro aqui vai ajudar no meu aluguel”, disse.

“Quer que eu lave seu túmulo?”, foi, de fato, a pergunta mais ouvida pela Folha entre os corredores estreitos do cemitério da Lapa.

Também esvaziada foram as missas celebradas diante da capela do cemitério. Por causa da pandemia, os encontros só foram permitidos em áreas abertas.

Um fiel disse que no ano passado chegou a distribuir 150 folhetos de missa por cerimônia. “Hoje se foi 40 é lucro”, disse.

Ao menos 30 pessoas assistiram ao sermão do meio-dia proferido pelo padre Celso Guedes, da Paróquia Rainha da Paz. “Veja como esse túmulo está abandonadinho”, disse o religioso.

Falta sabonete em banheiros

Para entrar nos 22 cemitérios administrados pela prefeitura, a população precisou passar álcool em gel nas mãos e ter a temperatura corporal medida por funcionários.

Quem apresentasse acima de 38ºC era impedido de entrar e orientado a voltar para casa. Banheiros químicos também foram instalados para homens, mulheres e pessoas com deficiência.

Mas a reportagem encontrou problemas na estrutura em vários cemitérios da capital. No São Luiz, não havia sabonete para lavagem de mãos nos banheiros e tampouco papel por volta do meio-dia.

No Vila Formosa (zona leste), o mato se espalhava em volta dos túmulos. Alguns estavam, inclusive, com o terreno cedendo.

Questionada, a prefeitura afirmou, por nota, que os banheiros das instituições, inclusive do São Luiz, eram abastecidos a cada hora, e que "nenhuma reclamação chegou à administração quanto à falta de suprimentos".

Sobre o afundamento de túmulos, a prefeitura afirma que, na vistoria feita no local no fim de semana, não foi constatado nenhum caso do tipo.

"Na última semana todos os 22 cemitérios públicos intensificaram os trabalhos de limpeza. Como acontece periodicamente, os serviços de zeladoria foram devidamente executados, tais como corte de mato, poda de árvore e pintura", afirma a nota.

A gestão Bruno Covas (PSDB) não informou a estimativa de visitantes nos 22 cemitérios da capital neste Dia de Finados.

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