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Projeto leva exames clínicos gratuitos a moradores da maior comunidade de SP

Em parceria com laboratório privado, moradores de Heliópolis poderão fazer check-ups de colesterol, diabetes, HIV, entre outros

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São Paulo

No lugar onde a faxineira Márcia da Silva Leite Varjão, 39, nasceu dois sonhos são perseguidos com afinco. O primeiro é a conquista da casa própria e, na sequência, o acesso à saúde de qualidade.

Essas duas prioridades, diz ela, não saem como deveriam dos planos de governo dos políticos, que disputam nas eleições deste ano o comando dos 5.570 municípios brasileiros, como é o caso de São Paulo.

“É muito descaso. Quando eu consigo fazer um exame e chego numa das unidades de saúde da minha região, dou de cara com outro problema: não tem médico para analisar o resultado”, afirma.

A faxineira nasceu num endereço da zona sul da capital paulista onde a falta é suprida pelo improviso. E improvisar é o que mais Varjão tem feito ao longo da pandemia de Covid-19.

Ela, os três filhos e o marido vivem numa casa singela de Heliópolis, a maior comunidade da capital paulista, com cerca de 220 mil moradores.

Localizada a oito quiômetros do centro de São Paulo, Heliópolis surgiu como alojamento provisório para famílias removidas de duas favelas, Vila Prudente e Vergueiro, nos anos 1970.

A comunidade ocupa uma área aproximada de 1 milhão de metros quadrados cuja paisagem é tomada por casas com pavimentos de laje e barracos de madeira.

Desempregada há sete meses, Varjão faz bicos de limpeza para ajudar o marido nas contas. Também improvisa quando o assunto é isolamento social. “Como a casa é pequena, eu mantenho meus filhos aqui do jeito que dá. A gente não sai por aí sem necessidade”, diz.

Uma mulher usando máscara e vestido de oncinha está sentada em uma cadeira enquanto uma pessoa, também de máscara, afere sua pulsação
A faxineira Márcia Varjão, 39, (vestido oncinha) em atendimento por exame laboratorial gratuito na comunidade de Heliópolis, na zona sul de SP - Divulgação

Os improvisos também recaíram na educação dos filhos que, por causa da pandemia, têm estudado de forma remota. “Como a gente não tem celular para todo mundo, eu tive que optar por quem precisa mais estudar agora”, diz.

Na sua escolha de Sofia, Varjão manteve o celular da filha mais velha, de 19 anos e que cursa administração, e outro aparelho para o filho de 13. “A minha menina de 7 anos não está estudando. Então eu brinco de escolinha com ela”, afirma.

Mas Varjão só não conseguiu operar o milagre do improviso quando percebeu sinais de que alguma coisa estava errada em seu corpo. “Com saúde não se brinca”, diz.

Sem dinheiro para pagar exames e desanimada com as opções públicas de serviços de saúde em sua região, a moradora de Heliópolis acabou sendo beneficiada com um projeto-piloto que busca fornecer exames clínicos gratuitos e de baixo custo aos moradores de sua comunidade.

A faxineira fez um check-up composto por mais de 20 exames sem pagar nada. Ela descobriu alterações enzimáticas no fígado e taxas elevadas de triglicérides, um dos componentes da gordura do sangue que estão associados ao mau colesterol.

“Eu fiz o exame na rua de cima da minha casa e os resultados saíram em dois dias”, conta a moradora.

Varjão e outros 10 mil moradores de Heliópolis poderão fazer check-ups de saúde de forma gratuita graças a uma parceira recente firmada entre a Cufa (Central Única das Favelas) e o Labi Exames, um laboratório de análises clínicas com 17 unidades espalhadas pelas cidades de São Paulo, Osasco, Diadema, Santo André, Guarulhos e Rio de Janeiro.

Marcelo Noll Barboza, 56, CEO do Labi Exames, explica que cada coleta para exame paga nos domicílios paulistanos, outra será doada para Heliópolis e aos moradores do Parque Santo Antônio, também na zona sul, pelos próximos dois meses.

A lista inclui check-ups de colesterol e tireoide, e testes de HIV, hepatite C e diabetes.

Barboza conta que, por mês, o laboratório tem feito 5.000 coletas domiciliares de material biológico na cidade de São Paulo. “É um boom provocado pela pandemia. Antes da Covid-19, fazíamos 150 procedimentos do tipo por mês”.

Nas duas comunidades beneficiadas, foram instalados laboratórios que cumprem as normas sanitárias e mais uma exigência da Cufa, conta Leo Ribeiro, vice-presidente de operações da Favela Holding. “Só trabalham lá técnicos de enfermagem que moram na favela”.

Ribeiro disse que mapeou as famílias mais vulnerabilizadas, que terão acesso aos exames gratuitos. Os demais moradores poderão pagar pelos serviços a preços acessíveis, como um hemograma (exame que avalia as células sanguíneas) a R$ 6.

A meta do Labi Exames, diz Barboza, é chegar a outras comunidades de São Paulo. “O nosso diferencial é que temos um médico que orienta as pessoas com diagnósticos alterados a procurar atendimento especializado”, conta.

Segundo Marcivan Barreto, 48, presidente da Cufa no estado de São Paulo, cerca de 65% dos moradores de Heliópolis trabalham na informalidade. “Mais do que alimentos, produtos de limpeza e roupas, percebemos uma demanda elevada por consultas médicas”, diz.

E saúde tem sido uma preocupação em Heliópolis. Dados preliminares da Cufa apontam que 129 moradores morreram por Covid-19 e o número tende a aumentar, diz Barreto, porque a comunidade já registra bailes funk e aglomerações em bares —o que contraria as regras sanitárias vigentes.

Para a faxineira Márcia Varjão, que tenta livrar a família da Covid-19, a tarefa será a de seguir outro modo de vida após os alertas escancarados em seus exames. “É mudar a alimentação e fazer exercício físico”, diz.

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